sexta-feira, 1 de julho de 2011

    Data e local do nascimento de D. Afonso Henriques
                                             
                                                             Introdução




    A tese do historiador Armando de Almeida Fernandes relativamente ao nascimento de D. Afonso Henriques em Viseu não podia passar sem um estudo aprofundado sobre cada um dos argumentos por ele aduzidos no seu livro “Viseu, Agosto de 1109, nasce D. Afonso Henriques”. Tanto quanto julgamos saber, ao longo dos anos, posteriores à produção do livro do Dr. Almeida Fernandes, não surgiu nenhum trabalho que, científicamente, abordasse cada um dos argumentos por si aduzidos, com a atenção que o assunto merecia. Por isso, em 1109, aproveitando as comemorações dos 900 anos do nascimento do nosso primeiro monarca, ocorridas em Viseu e Guimarães,  resolvi dar à estampa um livro, com o título “ Os 900 anos do nascimento de D. Afonso Henriques - data e local do seu nascimento”, agora em 2ª edição mais desevolvida, onde o leitor poderá encontrar a análise de cada um dos argumentos invocados por Almeida Fernandes e que, neste local, apresentamos muito sumariamente. 

     Pretendemos apenas verificar se a tese de Almeida Fernandes se mostra viável ou não, ao fazer convergir, forçadamente, para data certa (5 de Agosto de 1109) a interpretação dos vários documentos em que se fundamenta, sem que, em nosso entender, essas fontes históricas o consintam. Um pequeno comentário do historiador José Mattoso à tese de Almeida Fernandes, na biografia de “D. Afonso Henriques (pags. 26 e 27), foi aproveitado pelas entidades visienses para tomar como certo aquilo que o próprio historiador assevera como hipotético noutra passagem do mesmo livro. Dado este inqualificável aproveitamento, o Prof. José Matoso, no dia 14.1209, na abertura dum colóquio no Centro de História da Faculdade de Letras de Lisboa, decidiu esclarecer o seu pensamento sobre esta questão, lamentando o aproveitamento por parte de todos os que, com o seu testemunho, pretenderam demonstrar que D. Afonso Henrique nasceu em Viseu.


ANÁLISE DOS ARGUMENTOS INVOCADOS POR ALMEIDA FERNANDES A FAVOR DO NASCIMENTO DE D. AFONSO HENRIQUES, EM VISEU
   
     1º - Ausência de D. Teresa no funeral e exéquias do pai, Afonso VI.
   Conforme Crónicas anónimas de Sahagún, D. Henrique "não esteve presente quando o rei estava para morrer e dispunha a sucessão do reino... Deixou "ayrado" a corte de Toledo e partiu para os seus territórios do Condado Portucalense. D. Afonso VI morreria a 30 de junho ou 1 de julho de 1109.
  Segundo Almeida Fernandes, apesar de ter conhecimento da morte do pai e sogro, os condes não estiveram presentes no funeral e exéquias de D. Afoso VI, embora por razões diferentes: D. Henrique por ter ficado “enfurecido”, pelo modo como o sogro ia resolver a questão sucessória a favor a filha "legítima" Urraca e D. Teresa por se encontrar em Viseu em estado avançado de gravidez de D Afonso Henriques.
    Embora tudo leve a crer que D. Henrique não esteve, efetivamente, presente no funeral e exéquias do sogro, o mesmo não é possível dizer-se relativamente a D. Teresa, dado o silêncio da referida crónica sobre tal facto. Mas, se tal ausência existiu por parte de D. Teresa, teria uma causa comum, pois D. Teresa, à semelhança e pelas mesmas razões do marido teria ficado igualmente “furiosa” perante o modo como Afonso VI, seu pai, decidiu a questão sucessória a favor de Urraca, quando D. Henrique havia proposto ao rei a divisão do reino entre as duas filhas: Urraca e Teresa.
    Existe um "documento datado de 25 de abril de 1109 que dá D. Henrique e D. Teresa presentes em Oviedo .  Esse documento (carta) qualifica D. Henrique como "tenente" de Tineo, povoação asturiana que tinha pertencido ao conde Muño Rodriguez, da linhagem a que presumivelmente pertencia a Jimena Muñiz" (cf. Marsílio Cassoti - in D. Teresa- a primeira rainha de Portugal, pag. 107). 

Ora, se em 25.04.1109, D. Teresa andava por Oviedo e nessa altura o seu pai (Afonso VI) já se encontrava próximo da morte, tudo nos leva a crer que efetivamente D. Teresa esteve presente no funeral e exéquias do pai, Afonso VI, falecido em fins de Junho daquele ano.     
    Pela escritura de doação do mosteiro de Lorvão à Sé de Coimbra, outorgada por D. Henrique e D. Teresa sabemos que à data da sua celebração (29 de Julho de 1109), Afonso Henriques já tinha nascido. A razão é que nesse documento, D. Teresa pede pela “redenção das nossas almas... e pelas almas dos nossos filhos e filhas”. As filhas eram as infantas Urraca, Sancha e Teresa e os filhos eram D. Afonso Henriques e outro irmão, muito provavelmente já falecido. Assim sendo, a argumentação de Almeida Fernandes perde todo o sentido, como se vai provar mais adiante.

2- Ausência de D. Teresa na cerimónia da doação do mosteiro de Lorvão à Sé de Coimbra.

    A 29 de Julho de 1109 é outorgada a doação do mosteiro de Lorvão à Sé de Coimbra, à qual, segundo Almeida Fernandes, D. Teresa não assistiu por estar retida em Viseu, em consequência da gravidez de D. Afonso Henriques  que iria nascer pouco depois. E acrescenta Almeida Fernandes, que dada a ausência de D. Teresa em Coimbra, foi preciso a celebração de uma outra cerimónia em Viseu para confirmação, daí resultando um segundo documento.
     Como se verifica do texto da doação nele constam os nomes de D. Henrique e D.Teresa e as respetivas confirmações: "

Ego Henrique Dei gratia comes e totius Portucalensis dominus hoc donationis scriptum grato benignoque animo conf.+ Et ego Tarasia Ildfonsi imperatoris filia et Henrice comitis uxor hoc scriptum similiter conf +  
      Por um lado, o texto faz menção explícita do nome de D. Henrique e D. Teresa, como outorgantes. Por outro, os outorgantes D. Henrique e D. Teresa juraram a doação "super altare". Tais factos implicam a presença física de ambos os cônjuges.
      É obvio que o argumento de ausência de D. Teresa invocado por Almeida Fernandes é absolutamente infundado.  Aliás, a inclusão dos nomes de ambos os cônjuges no texto da doação respeita o direito consuetudinário praticado pelos notários durante os governos de D. Henrique e D. Teresa. E nesse caso, é de concluir que ambos os outorgantes estiveram presentes no acto documental e na cerimónia “traditio super altare”, de 29 de Julho de 1109.  Por outro lado, a admitirmos como verdadeira a tese de Almeida Fernandes estaríamos perante um documento falso, porquanto nele se refere a presença de um outorgante (D. Teresa) que confirmou e jurou “super altare” e afinal nem sequer esteve presente na cerimónia. Ora, no caso da doação do mosteiro de Lorvão, se D. Teresa não podia estar presente, sempre D. Henrique, de acordo com as regras notariais da época, poderia celebrar a doação sem a presença de D. Teresa, mas fazendo a referência expressa no texto de que a doação se fazia com conhecimento e autorização dela. É o que aconteceu, por exemplo, na doação de propriedades em Briteiros (c. de Guimarães), em que D. Teresa outorga expressamente “com autorização do marido”.   Ficava, deste modo, suprida a falta da mulher ao acto notarial.
      Na verdade, se D. Teresa esteve ausente no ato de Coimbra, o lógico e racional seria que D. Henrique outorgasse em seu próprio nome e em nome e representação de sua esposa ou então não se fizesse constar no documento de doação o nome de D. Teresa, abrindo caminho a uma posterior confirmação.  
      Perante a importância das cerimónias em Coimbra e a iminência do nascimento do filho, como refere Almeida Fernandes, então pergunta-se: qual a razão pela qual D. Teresa  designou a cerimónia para o dia 29 de julho de 1109, sabendo de antemão que não poderia estar presente nesse ato documental em Coimbra? Por que não foi adiada a cerimónia de Coimbra para depois do nascimento da criança? A razão é simples: D. Teresa esteve mesmo presente no ato documental e nas cerimónias de Coimbra, como aliás consta do próprio texto da doação.   A existência do texto de Viseu tem outra explicação.
      Se o texto de Viseu fosse de confirmação do texto de Coimbra, por D. Teresa não estar presente no ato documental e respetiva cerimónia, então era exigível que os dois documentos fossem iguais, com as mesmas pessoas a intervir, com os mesmos outorgantes, confirmantes, visores (quos vidit), “homens de Coimbra, ts” e “homens de Viseu, ts”. No caso em análise, temos 51 nomes no texto de Coimbra, agrupados em grupos sociais: confirmantes, visores e testemunhas;  No texto de Viseu aparecem os 38 testemunhas, sem distinções sociais e os nomes comuns aos dois textos aparecem misturados com os outros.  Já o mesmo não será necessário se se considerar a repetição da cerimónia para confirmação não de D. Teresa, mas antes do  delagado do Papa.
  
   Uma grande diferença resulta logo do texto de Viseu quando refere a presença do delegado do Papa 
   
 "Ego Bernardus Tholetanus archiepiscopus et Sancte Romane legatus conf."

    O primaz de Toledo e metropolita de Mérida apresenta-se no texto de Viseu como legado papal (Sancte Romane Ecclésia legatus). Legado a quê, pergunta Almeida Fernandes a fls. 63?   E responde que a presença de Bernardo de Toledo em Viseu foi para “preparar D. Teresa e D. Henrique para aceitarem contra Braga, que a eles convinha, a supremacia toledana, servindo de adequado testemunho da situação a sagração que o bispo eleito de Coimbra (Gonçalo Pais) precisamente aguardava”. 
    Torna-se evidente que a explicação de Almeida Fernandes é demasiado simples e deslocada do contexto, bem como da importância que as cerimónias de Coimbra e depois em Viseu tiveram. A explicação é outra e bem mais importante: a  presença do Primaz de Toledo em Viseu, como delegado do Papa, teve duas finalidades:

    a) Proceder à sagração episcopal de D. Gonçalo Pais que havia sido eleito bispo da diocese de Coimbra.

    b) Autorizar e confirmar, através do delegado papal, D. Bernardo de Toledo, a doação do mosteiro de Lorvão à Sé de Coimbra.


Às duas cerimónias, de Coimbra e de Viseu, estiveram presentes D. Teresa e D. Henrique. O cónego  Dr. Avelino de Jesus Costa, reputado historiador no âmbito dos estudos medievais, na área da cronologia, diplomática, paleografia e história da Igreja, trata o documento de Viseu como cópia (doc. B) e data-o em 29 de julho de 1109, e segundo ele, foi nesse dia e nessa cidade que o bispo D. Gonçalo Pais foi sagrado por Bernardo de Toledo, delegado do Papa e diz também que a “doação do mosteiro de Lorvão e suas pertenças à Sé de Coimbra (sedi Sante Marie), ao bispo Gonçalo e aos clérigos foi feita com autorização e confirmação de D. Bernardo e legado do Papa  (cf. Livro Preto – Cartulário da Sé de Coimbra –Coordenação de Manuel Augusto Rodrigues e direcção científica de Dr. Avelino de Jesus Costa-Univ. Coimbra , 1999).

       É sabido que o papado da altura intervinha intensamente na vida dos diversos países, coroando e depondo reis e imperadores e alargando o âmbito dos direitos feudais, bem como exigindo a sua autorização e confirmação em actos que envolvessem a alienação de bens de sua pertença. 
        Como se vê, isto nada tem a ver com a gravidez de D. Teresa e ainda para mais quando ela (D. Teresa) dispunha de mecanismo legais para se fazer representar.
   Na verdade, na altura, havia duas formas de representação jurídica:

     1ª -  O cônjuge doa em seu nome e em representação do marido: “cum consensu viro meo comiti Henrico”. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 24 de Julho de 1110, na doação outorgada apenas por D. Teresa, mas com autorização do marido, de propriedades em Brireiro (Guimarães) e Real (Esposende) a Fromarigo Guterres.
      2ª -  Representação por outra ou outras pessoas (madatários). Foi o que aconteceu, por exemplo, no Foral de Azurara em que ambos os Condes se fizeram representar por três personalidades e onde tal representação está expressamente referida no texto (“in nostra vice”= “em nossa representação”).


  Não utilizando nenhum destes instrumentos jurídicos para se fazer representar, é de concluir que D. Teresa esteve presente na cerimónia de Coimbra, sendo natural que passasse esses dias em Coimbra e Viseu, à semelhança do que aconteceu noutros alturas e em outros locais do Condado, quando andava em viagem de trabalho ou lazer.
    E qual a razão da exigência de confirmação do acto documental por parte do delegado do Papa, arcebispo de Toledo? A razão é-nos dada pelo próprio texto da doação: é que parte dos  bens doados eram propriedade da Igreja:
    
"Damus supra dictum cenobium cum suis adjectionibus cunctis que ad pertinent tam ecclesiaria eiusdem laicalia terras, villas culta et inculta et omniaque scripta sunt in testamentis eiusdem predicti cenobii". 

Saliente-se que a nomeção de um delegado do Papa foi  para estar presente em Viseu (ausente no acto de Coimbra).  Não é curial que o Papa estivesse “metido” nesse alegado designio de manter a supremacia Toledo sobre Braga ou vice-versa, como refere Almeida Fernandes, pois tal facto, ou seja, determinar quem tinha primazia (Toledo ou Braga) dependia exclusivamente dele (Papa).
     Improcede a justificação de Almeida Fernandes quando defende que a cerimónia de Viseu teve por objetivo repetir a de Coimbra, para confirmação do acto em que D. Teresa esteve ausente, pois, nesse caso, repete-se, seria necessário que os documentos fossem iguais e com os mesmos intervenientes, o que não é o caso, como vimos.
    Aos atos documentais de Coimbra e Viseu assistiram, pessoamente, D. Henrique e D.Teresa. A razão de ter sido escolhido as duas cidades (Coimbra e Viseu), com duas cerimónias foi precisamente a importância que a doação representava para a região Coimbra/Viseu, no âmbito do fortalecimento da defesa dos territórios limítrofes em poder dos muçulmanos e ainda para obtenção de uma cada vez maior autonomia relativamente à monarquia leonesa. Daí a preocupação dos outorgantes em fazer participar em ambas as cerimónias “homens de Coimbra” (homines de Colímbria)  e “homens de Viseu” (homines de Viseo). No documento de Coimbra, os intervenientes surgem agrupados em classes sociais por se tratar de uma cerimónia de “Estado”. Por sua vez, na cerimónia de Viseu por se tratar de uma cerimónia essencialemte da Igreja, os nomes dos intervenientes surgem misturados, sem qualquer referência a classes sociais, como se verifica no documento de Coimbra.

     A vinda de um número tão elevado de gente importante proveniente de Guimarães, Coimbra e Viseu e a solenidade da “traditio super altare”, reflecte, acima de tudo, a extraordinária importância da transferência do mosteiro de Lorvão para a posse da Sé de Coimbra.  Se D. Teresa não podia estar presente, devido à sua gravidez já muito adiantada, como defende Almeida Fernandes, então porque não foi adiada a cerimónia para alguns dias mais tarde ou se não fez representar?  Daqui se vê a falta de razão de Almeida Fernandes. Por outro lado, A. Almeida Fernandes não atribui qualquer relevo, desvalorizando, a presença em Coimbra e Viseu de um clérigo vimaranense ( Echega abbas Vimaranes, no testo de Coimbra = Hechiga vimaranensis abbas, no testo de Viseu). A sua presença nos dois actos é explicada por Almeida Fernandes por ter sido esse clérigo um participante na expedição a Sintra com o fim de pacificar a revolta moura. Não se afigura verosímil tal opinião.  Tratando-se de um abade da Colegiada de Guimarães, a sua presença nos dois actos, deve antes ser interpretada como sendo uma representação da referida Colegiada nos dois actos documentais.  Com a presença do clérigo da Colegiada vimaranense, pretendeu D. Teresa fazer representar a vila de Guimarães, local da sua residência habitual, nos actos de Coimbra e Viseu.  Repare-se que este clérigo vimaranense é o primeiro a ser mencionado no texto de Coimbra, como confirmante, bem como o primeiro a ser mencionado, na qualidade de testemunha, à cerimónia de Viseu. Esta primazia nos dois actos, vai de encontro ao que acabamos de afirmar.
     A doação do mosteiro de Lorvão, bem como muitos outros actos documentais, referentes a pessoas e bens da região de Coimbra/Viseu, outorgados pelos Condes D. Henrique e D. Teresa, devem ser entendidos como uma estratégia relacionada com a defesa dos territórios limitrofes, em poder dos muçulmanos, dando início a um tipo de ação política por parte dos Condes de Portugal, dirigidos a conseguir cada vez mais autonomia da monarquia Leonesa.  Entre as cartas de privilégio da época, relevam as cartas de foral e as doações, como estratégia de priviligiar todos os que acorresssem a habitar e cultivar certas terras que, com frequência, se situavam em locais que ofereciam riscos, como, por exemplo na linha fronteiriça. E muitos foram os atos para a região de Coimbra/Viseu, sem que tal fato obrigasse os Condes D. Henrique e D. Teresa  a mudar a sua residência de Guimarães para Viseu. Nas suas deambulações pelo Condado era natural que tivessem residêncas ocasionais aqui ou acolá, como aconteceu certamente em Coimbra e Viseu para assistirem às já referidas cerimónias.

 3 - Ausência  de  D. Teresa  na  outorga  da  Carta  de Foral concedida a Azurara da Beira (c. Mangualde)

     Almeida Fernandes defende que D. Teresa esteve ausente na outorga do foral de Mangualde (Zurara).
A primeira grande questão gira à volta da própria data do foral. Enquanto Ameida Fernandes coloca a outorga do documento em 5 de Agosto de 1109, fazendo-a coincidir com a data que já havia encontrado para o nascimento de D. Afonso Henriques, o especialista em diplomática,  Rui de Azevedo, data a Carta de Foral entre 1109-1112, considerando que aquela que se encontra no documento está errada.
    Almeida Fernandes, contra outras opiniões, aponta uma data fixa, desta vez, repita-se, para o foral de Manguade: 5 de Agosto de 1109;  a mesma que havia encontrado para o nascimento de D. Afonso Henriques!  À falta de precisão do especialista em diplomática, Rui Azevedo, que coloca a data do documento no período entre 1109-1112, contrapõe forçadamente Almeida Fernandes uma determinada data: Agosto de 1109. 
      Concorda-se com Almeida Fernandes ao afirmar que D. Henrique e D. Teresa não podendo estar presentes em Mangualde, na outorga do Foral, fizeram-se representar por individualidades ajuramentadas (in nostra vice): Egas Moniz, D. Rabaldo e Gonçalo Peres.
            Como se vê, aqui já Almeida Fernandes admite a representação, quando para a cerimónia de Coimbra e Viseu, “exige” uma confirmação para D. Teresa, esquecendo-se dos institutos de representação a que os condes poderiam lançar mão, como o fizeram, por exemplo, para o foral de Mangualde, onde expressamente se refere a representação e o respectivo juramento dos representantes (“fecimus jurare...in nostra vice”).
   Tudo isto dá a ideia de que D. Henrique e D. Teresa não tinham poder de marcação dos actos documentais em que ambos eram outorgantes, tendo de obedecer cegamente a uma agenda do próprio notário, sem que lhes fosse possível escolher as datas que muito bem entendessem para o bom exercício da sua actividade política. Os argumentos e as tomadas de posição do referido historiador criam um fatalismo tal que nem o vontade de D. Henrique e D. Teresa conseguem alterar. Ou será que D. Henrique e D. Teresa estão sujeitos à agenda do Dr. Almeida Fernandes?  Este facto simples é o maior argumento contra a sua tese.
     Enquanto os hostoriadores datam os documentos em períodos por vezes longos, como acontece com Rui Azevedo a respeito da data do Foral de Mangualde (1109-1112), AlmeIda Fernandes consegue dizer-nos o dia, mês e ano desse foral, fazendo-o coincidir  com o dia, mês e ano do nascimento de D. Afonso Henriques!  A falta de documentação é suprida por Almeida Fernandes com um  conjunto de hipóteses, algumas consideradas pelo autor como verdades absolutas, passando ao lado das questões jurídicas que muito ajudam a compreender o sentido dos documentos.

Guimarães, berço de D. Afonso Henriques


  Para comprovar o local de nascimento de D. Afonso Henriques, na falta de certidão ou outro documento equivalente, temos de nos socorrer de prova indireta. Enquanto a prova direta demonstra, de forma imediata, que um determinado facto ocorreu, a prova indireta assenta em dados circunstanciais que, quando conjugados, podem levar à convicção da ocorrência do facto que se investiga.
  E vejamos então quais são esses factos:
     
  1 - A residência dos Condes Portucalenses, desde Mumadona, sempre foi em Guimarães. D Afonso Henriques mudou-a para Coimbra em 1131. 
      
    2 -  Entre 1107 e 1110, o mosteiro, fundado por Mumadona, foi convertido na Colegiada (Ecclesia Vimaranensi) e era alí, segundo se deduz do episódio da expulsão de Egas Pais, narrado na Vita Sancti Geraldi, que D. Henrique e D. Teresa assistiam aos ofícios divinos. (cf.  PMH - Scriptores- vol.-  I - 53).
3 - Uma vez que o casal assistia aos oficios religiosos nessa “Ecclesie Vimaranensi”, é lógico e muito provável que D. Afonso Henrriques aí tivesse sido batizado por S. Geraldo, em 1106, portanto, dois anos antes do seu falecimento, contrariando a tradição relativamente à capela de S. Miguel do Castelo, construída em anos posteriores (sec. XIII), como parece resultar da sua estrutura e estilo românico tardio, com prenúncia do gótico. S. Geraldo faleceu em 5.12.1108, em Bornes, concelho de Vila Pouca de Aguiar, quando se encontrava em visita pastoral.   
  4 - Após a concessão do Condado, em 1095, Guimarães era o local mais adequado, geográfica e administrativamente, para a instalação da sede do Condado, sendo que o primeiro ato oficial que Henrique e Teresa tomaram foi conceder o Foral a Guimarães, em 1095 ou 1096. Alguém acredita que se D. Teresa residisse em Viseu, em 1109, como defende Almeida Fernandes, apenas 27 ou 28 anos depois lhe concedesse foral, em maio de 1123?
     5 - Tudo leva a concluir que, após a concessão da Terra Portucalense, D. Teresa residiu no palácio real de Guimarães até cerca de 1121, altura em que se associou a Fernão Peres de Trava e teria passado a residir em Viseu, recebendo aí apoios significativos à sua política dissidente do filho e da nobreza do Condado. E foi daí que os seus apoiantes partiram para o confronto na Batalha de S. Mamede (24.06.1128).
   6 - Os factos antecedentes à Batalha de S. Mamede (24.06.1128) e os mais importantes documentos da época assim o sugerem, nomeadamentea a doação de Seia e do castelo de Santa Eulália (c. Montemor-o-Velho) ao conde galego Fernão Peres de Trava, respetivamente, em maio de 1122 e 1123 (DMP. nº 62 e 63); o doc. 72, lavrado em Viseu, em outubro de 1125. Saliente-se que só após se fixar em Viseu é que D. Teresa lhe concede o foral, em maio de 1123.
  7 - O governo do Condado e os transportes rudimentatares da época, exigiam, naturalmente, residências ocasionais em Coimbra e Viseu.
  8 -  Documento importante a favor de Guimarães é também a doação, outorgada  por D. Teresa, em 1111, aos franceses moradores em Guimarães, de um campo situado junto do “nosso paço real” (palatium nostrum regale) e de quem D.Teresa diz: “escolhestes habitar connosco” (elegistis nosbiscum commorari”). A conjugação das duas referências apontam para a residência oficial de D. Teresa em Guimarães.  
   9 - A ameaça moura nas zonas de Lamego, Viseu, Seia e Coimbra aconselhava a  manutenção da residência Condal em Guimarães.            
    10 – Uma tradição oral e secular, especialmente a partir do séculos XV/XVI, recebida por Duarte Galvão, localiza o nascimento de D. Afonso Henriques em Guimarães. Com efeito, na Crónica de El-Rei D. Afonso Henriques, Duarte Galvão (1445-1517) afirma:
       
          ... quando Egas Moniz soube que a Rainha parira cavalgou à pressa, e
               veio a Guimarães onde o Conde estava e pediu-lhe por mercê que lhe desse o
               filho que nascera, para o haver de criar, como lhe havia prometido ....

  11 -  A transmissão oral da tradição surge, pois, como uma possibilidade cuja verosimilhança se afigura poder ser aceite sem qualquer dúvida. Negar o nascimento do infante, em  Guimarães, é negar a possibidade da transmição oral das tradições e da sua veracidade, antes da consagração pela palavra escrita.

12 - Todo este circunstancionalismo confirma uma longa e unânime tradição oral e literária, firmemente arreigada, justificando o facto de a historiografia, ao longo dos tempos, nunca sentir necessidade de questionar o local de nascimento do Rei Fundador.

    13 - Penso que, através da prova indireta, terá sido encontrada a tese mais provável para o local de nascimento de D. Afonso Henriques, já que, nesse tempo, não havendo maternidades, os filhos nasciam onde residiam os pais, neste caso, no palácio real da Villa Vimaranes. Se tentarmos traduzir essa probabilidade em números, julgo não andar longe da verdade se fixar 80% a favor de Guimarães e 20% para os outros locais propostos.
    
        (Para melhor compreensão desta matéria consultar do autor: D. AFONSO HENRIQUES -  Data e Local do seu Nascimento”)

A Data de nascimento de D. Afonso Henriques 

     Atualmente os autores estão divididos entre 1106, 1109 (uma pequena minoria 1111), sendo que o ano de 1109 era aquele que reunia maior consenso entre os historiadores com base na Crónica dos Godos. Porém, o ano de 1109 começou a ser substituído pelo ano 1106, em consequência de um estudo realizado pelo investigador Abel Estefânio, estudo esse publicado no número 8º da Revista Medievalista e muito elogiado por José Mattoso. Abel Estefânio obtem o ano de 1106 a partir de um manuscrito acerca da Vida de S. Teotónio.  Vejamos, sumariamente, as duas datas, obtidas a partir dos dois referidos documentos. 

   
   A) - Se tomarmos como fonte a Crónica dos Godos:

  Temos de conjugar dois documentos, ou seja, a Crónica dos Godos e a doação do mosteiro de Lorvão à Sé de Coimba. Da Crónica dos Godos quando refere:


"...Tendo morrido seu pai, o conde D. Henriques, era ele (infante Afonso Henriques) ainda criança de dois ou três anos..."

 Considerando que a morte de D. Henrique ocorreu em fins de abril/princípios de maio de 1112, então a Crónica dos Godos permite-nos dizer que é mais próximo dos dois ou dos três anos, se houver um facto que nos obrigue a tal. E esse facto existe efetivamente. Trata-se da referência que D. Teresa faz, na doação do mosteiro de Lorvão,  aos filhos e filhas”, nos seguintes termos:

    
"Doamos o referido mosteiro, com as suas vizinhanças...para redenção das nossas almas e das almas dos nossos reis, senhores Fernando e Afonso (respetivamente avô e pai de D. Teresa) e dos nossos filhos e filhas..."

    Daqui resulta que , em 29 de julho de 1109, data da doação do mosteiro de Lorvão à Sé de Coimbra e na qual D. Teresa pede pela "redenção das nossas almas... e pelas almas dos nossos filhos e filhas", D. Afonso Henriques já tinha nascido, contrariando frontalmente a tese de Almeida Fernandes, que coloca o nascimento do infante no dia 5 de Agosto de 1109. 
 As filhas de D. Teresa eram as infantas  Urraca, Sancha e Teresa. E os filhos eram o infante Afonso Henriques e outro irmão que teria nascido antes dele e falecido precocemente. Só se compreende a referência aos "filhos" se eles de facto já tivessem nascido. Por outro lado, a circunstância  de o texto referenciar expressamente o plural para diferenciar os varões das mulheres, revela que, nessa altura, os Condes tinham mesmo esses dois filhos, o primeiro dos quais, como se disse, já tinha falecido. Refira-se que a referência "aos filhos e às filhas" não é uma mera "fórmula de chancelaria", uma vez que essa referência não consta na escritura de doação do mosteiro de S. Vicente da Vacariça à Sé de Coimbra que lhe serviu de modelo.
  Ora, tomando como fonte a Crónica dos Godos (como faz Almeida Fernandes) e considerando que quando D. Henrique morreu, em fins de abril/princípios de maio de 1112, então D. Afonso Henriques teria pouco mais de três anos, o que aponta para os três primeiros meses de 1109. Portanto, muito antes da data preconizada por Almeida Fernandes (5 de Agosto de 1109), data essa "escolhida" para defender o nascimento de D. Afonso Henriques em Viseu.

 B) - Se tomarmos como fonte a Vita Sancti Theotonii (Vida de S. Teotónio)


    Como se disse, o número 8º da da Revista Medievalista, referente a julho/dezembro de 2010, foi publicado um estudo inédito, da autoria do investigador Abel Estefânio onde, baseado num manuscrito do sec. XII, que se encontra na Biblioteca Pública Municipal do Porto, sobre a vida de S. Teotónio, defende ter D. Afonso Henriques nascido em 1106.

    A tradução do latim da parte final do manuscrito, efetuada pelo Prof. Aires Nascimento e citada por Abel Estefânio e com a qual se concorda, é do seguinte teor:


   "...Adormeceu na consciência de ter vivido bem e dos prémios dos méritos, no dia décimo segundo  
      antes das calendas de março, a um sábado, à primeira hora do dia, aquela em que Cristo ressuscitou.
       Foi sepultado no dia décimo primeiro das mesmas calendas, no ano 56 do referido Rei Dom Afonso I
       de Portugal, em cujo tempo recebeu a veste de Cristo e no ano 35 do seu reinado. Viveu em votos
       de vida regular trinta e um anos. Cumpriu o tempo inteiro da sua vida, como ele referia, entre
       setenta e oitenta anos, segundo o padrão das escrituras..." 

Este texto da Vita Theotonii contém elementos que realacionados com a data da morte de S. Teotónio, nos dá a data de nascimento do infante Afonso Henriques. O excerto da parte final da Vita Theotonii diz-nos o dia e mês em que ocorreu a morte de S. Teotónio, ou seja, 18 de fevereiro de  (dia XIIº das kalendas de março), mas não nos diz o ano. Existe, porém, consenso generalizado entre os autores, no sentido de que tal facto ocorreu no dia 18 de fevereiro de 1162, porquanto o último documento do prior S. Teotónio é desse ano.

    No seu estudo, Abel Estefânio trata das outras tradições, relativamente à data de nascimento de D. Afonso Henriques, baseadas nas fontes analísticas dos mais antigos anais portugueses rejeitando os anos 1109, 1110 e 1111, acabando por defender a tradição associada ao ano de 1106. Em sintonia com esta tradição do ano de 1106 está a informação existente na pia batismal da capela de S. Miguel do Castelo, em Guimarães, onde a tradição diz que, em 1106, foi batizado D. Afonso Henriques, como resulta de uma inscrição mandada fazer, em 1664, pelo prior da Colegiada de Nª Senhora da Oliveira, D. Diogo Lobo da Silveira.

  Assim, baseados no texto da Vita Sancti Theotonii e considerando que a sua morte ocorreu em 1162 e que, nessa altura, o nosso primeiro monarca tinha 56 anos de idade, então ter-se-á de concluir que D. Afonso Henriques teria nascido em 1106 (1162-56 =1106). E conforme refere o mesmo texto, na altura da morte de S. Teotónio, D. Afonso Henriques contaria 35 anos de governo, iniciados em 1128, com a vitória na Batalha de S. Mamede.


    E qual é a credibilidade do texto do manuscrito da Vita Theotonii?


    A vita Beatissimi Domini Theotonii, primeiro prior do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e conselheiro espiritual de D. Afonso Henriques, é a fonte mais antiga a fazer referência à data de nascimento do nosso primeiro monarca. Abel Estefânio defende tratar-se de um auógrafo escrito cerca de 1162, no período entre  a morte de S. Teotónio e a sua canonização (1162-1163). Esta proximidade da produção do texto (autógrafo) da Vita Theotonii (1162) relativamente à data de nascimento do infanta Afonso Henriques (1106) e a sua contemporaneidade com o período da sua vida (1106-1185) torna esta fonte mais credível que as outra produzidas em  tempos mais afastados, nomeadamente a Crónica dos Godos, escrita muito provavelmente pouco depois da morte de D. Afonso Henriques. A Crónica dos Godos tem contra si o facto de apresentar três referências contraditórias acerca da data de D. Afonso Henriques, retirando-lhe credibilidade.

   Ora, Almeida Fernandes, ao socorrer-se da Crónica dos Godos para determinar a data de nascimento de D. Afonso Heriques "escolheu" uma fonte pouco objetiva, não só pela contradição de datas, mas também por conter uma referência incerta: "Porquanto, morto seu pai, era ainda criança de dois ou três anos". De todo o modo, tendo como fonte a referida Crónica dos Godos, nunca a conclusão é aquela que Almeida Fernandes retira dela, ao fazer convergir para data certa (dia, mês e ano), forçando a intepretação dos documentos em que se baseia, com o objetivo de "provar" que D. Afonso henriques nasceu em Viseu, a 5 de agosto de 1109. Equanto a historigrafia moderna tenta emcontrar o ano de nascimento do nosso primeiro monarca, Almeida Fernandes, nas suas certezas, consegue dizer-nos o dia, mês e ano do nascimento de D. Afonso Henriques. A forma enviesada como lá chegou revela total falta de credibilidade da sua "tese".

Texto retirado do livro do Autor: "D. Afonso Henriques - Data e local do seu nascimento".

                                                                Narciso Machado
                                                                              
                                                                                                   

segunda-feira, 27 de junho de 2011

    Data e local do nascimento de D. Afonso Henriques
                                             
                                                             Introdução




    A tese do historiador Armando de Almeida Fernandes relativamente ao nascimento de D. Afonso Henriques em Viseu não podia passar sem um estudo aprofundado sobre cada um dos argumentos por ele aduzidos no seu livro “Viseu, Agosto de 1109, nasce D. Afonso Henriques”. Tanto quanto julgamos saber, ao longo dos anos, posteriores à produção do livro do Dr. Almeida Fernandes, não surgiu nenhum trabalho que, científicamente, abordasse cada um dos argumentos por si aduzidos, com a atenção que o assunto merecia. Por isso, em 1109, aproveitando as comemorações dos 900 anos do nascimento do nosso primeiro monarca, resolvi dar à estampa um livro, com o título “ Os 900 anos do nascimento de D. Afonso Henriques - data e local do seu nascimento”, agora em 2ª edição mais desevolvida, onde o leitor poderá encontrar a análise de cada um dos argumentos invocados por Almeida Fernandes e que neste local apresentamos muito sumariamente. 

     Pretendemos apenas verificar se a tese de Almeida Fernandes se mostra viável ou não, ao fazer convergir, forçadamente, para data certa (5 de Agosto de 1109) a interpretação dos vários documentos em que se fundamenta, sem que, em nosso entender, essas fontes históricas o consintam.           Um pequeno comentário do historiador José Mattoso à tese de Almeida Fernandes, na biografia de “D. Afonso Henriques (pags. 26 e 27), foi aproveitado pelas entidades visienses para tomar como certo aquilo que o próprio historiador assevera como hipotético noutra passagem do mesmo livro. Dado este inqualificável aproveitamento, o Prof. José Matoso, no dia 14.1209, na abertura dum colóquio no Centro de História da Faculdade de Letras de Lisboa, decidiu esclarecer o seu pensamento sobre esta questão, lamentando o aproveitamento por parte de todos os que, com o seu testemunho, pretenderam demonstrar que D. Afonso Henrique nasceu em Viseu.


ANÁLISE DOS ARGUMENTOS INVOCADOS POR ALMEIDA FERNANDES A FAVOR DO NASCIMENTO DE D. AFONSO HENRIQUES, EM VISEU
   
     1º - Ausência de D. Teresa no funeral e exéquias do pai, Afonso VI.
   Conforme Crónicas anónimas de Sahagún, D. Henrique "não esteve presente quando o rei estava para morrer e dispunha a sucessão do reino... Deixou "ayrado" a corte de Toledo e partiu para os seus territórios do Condado Portucalense. D. Afonso VI morreria a 30 de junho ou 1 de julho de 1109.
  Segundo Almeida Fernandes, apesar de ter conhecimento da morte do pai e sogro, os condes não estiveram presentes no funeral e exéquias de D. Afoso VI, embora por razões diferentes: D. Henrique por ter ficado “enfurecido”, pelo modo como o sogro ia resolver a questão sucessória a favor a filha legítima Urraca e D. Teresa por se encontrar em Viseu em estado avançado de gravidez de D Afonso Henriques.
    Embora tudo leve a crer que D. Henrique não esteve, efectivamente, presente no funeral e exéquias do sogro, o mesmo não é possível dizer-se relativamente a D. Teresa, dado o silêncio da referida crónica sobre tal facto. Mas, se tal ausência existiu por parte de D. Teresa, teria uma causa comum, pois D. Teresa, à semelhança e pelas mesmas razões do marido teria ficado igualmente “furiosa” perante o modo como Afonso VI, seu pai, decidiu a questão sucessória a favor de Urraca, quando D. Henrique havia proposto ao rei a divisão do reino entre as duas filhas: Urraca e Teresa.
    Existe um "documento datado de 25 de abril de 1109 que dá D. Henrique e D. Teresa presentes em Oviedo .  Esse documento (carta) qualifica D. Henrique como "tenente" de Tineo, povoação asturiana que tinha pertencido ao conde Muño Rodriguez, da linhagem a que presumivelmente pertencia a Jimena Muñiz" (cf. Marsílio Cassoti - in D. Teresa- a primeira rainha de Portugal, pag. 107). 

Ora, se em 25.04.1109, D. Teresa andava por Oviedo e nessa altura o seu pai (Afonso VI) já se encontrava próximo da morte, tudo nos leva a crer que efectivamente D. Teresa esteve presente no funeral e exéquias do pai, Afonso VI, falecido em fins de Junho daquele ano.     
    Pela escritura de doação do mosteiro de Lorvão à Sé de Coimbra, outorgada por D. Henrique e D. Teresa sabemos que à data da sua celebração (29 de Julho de 1109), Afonso Henriques já tinha nascido. A razão é que nesse documento, D. Teresa pede pela “redenção das nossas almas... e pelas almas dos nossos filhos e filhas”. As filhas eram as infantas Urraca, Sancha e Teresa e os filhos eram D. Afonso Henriques e outro irmão, muito provavelmente já falecido. Assim sendo, a argumentação de Almeida Fernandes perde todo o sentido.

2- Ausência de D. Teresa na cerimónia da doação do mosteiro de Lorvão à Sé de Coimbra.

    A 29 de Julho de 1109 é outorgada a doação do mosteiro de Lorvão à Sé de Coimbra, à qual, segundo Almeida Fernandes, D. Teresa não assistiu por estar retida em Viseu, em consequência da gravidez de D. Afonso Henriques  que iria nascer pouco depois. E acrescenta Almeida Fernandes, que dada a ausência de D. Teresa em Coimbra, foi preciso a celebração de uma outra cerimónia em Viseu para confirmação, daí resultando um segundo documento.
     Como se verifica do texto da doação nele constam os nomes de D. Henrique e D.Teresa e as respectivas confirmações: "

Ego Henrique Dei gratia comes e totius Portucalensis dominus hoc donationis scriptum grato benignoque animo conf.+ Et ego Tarasia Ildfonsi imperatoris filia et Henrice comitis uxor hoc scriptum similiter conf +  
      Por um lado, o texto faz menção explícita do nome de D. Henrique e D. Teresa, como outorgantes. Por outro, os outorgantes D. Henrique e D. Teresa juraram a doação "super altare". Tais facto implicam a presença física de ambos os cônjuges.
      É obvio que o argumento de ausência de D. Teresa invocado por Almeida Fernandes é absolutamente infundado.  Aliás, a inclusão dos nomes de ambos os cônjuges no texto da doação respeita o direito consuetudinário praticado pelos notários durante os governos de D. Henrique e D. Teresa. E nesse caso, é de concluir que ambos os outorgantes estiveram presentes no acto documental e na cerimónia “traditio super altare”, de 29 de Julho de 1109.  Por outro lado, a admitirmos como verdadeira a tese de Almeida Fernandes estaríamos perante um documento falso, porquanto nele se refere a presença de um outorgante (D. Teresa) que confirmou e jurou “super altare” e afinal nem sequer esteve presente na cerimónia. Ora, no caso da doação do mosteiro de Lorvão, se D. Teresa não podia estar presente, sempre D. Henrique, de acordo com as regras notariais da época, poderia celebrar a doação sem a presença de D. Teresa, mas fazendo a referência expressa no texto de que a doação se fazia com conhecimento e autorização dela. É o que aconteceu, por exemplo, na doação de propriedades em Briteiros (c. de Guimarães), em que D. Teresa outorga expressamente “com autorização do marido”.   Ficava, deste modo, suprida a falta da mulher ao acto notarial.
      Na verdade, se D. Teresa esteve ausente no acto de Coimbra, o lógico e racional seria que D. Henrique outorgasse em seu próprio nome e em nome e representação de sua esposa ou então não se fizesse constar no documento de doação o nome de D. Teresa, abrindo caminho a uma posterior confirmação.  
      Perante a importância das cerimónias em Coimbra e a iminência do nascimento do filho, como refere Almeida Fernandes, então pergunta-se: por que designou D. Teresa  a cerimónia para o dia 29 de Julho de 1109, sabendo de antemão que não poderia estar presente nesse acto documental em Coimbra? Porque não foi adiada a cerimónia de Coimbra para depois do nascimento da criança? A razão é simples: D. Teresa esteve mesmo presente no acto documental e nas cerimónias de Coimbra, como aliás consta do próprio texto da doação.   A existência do texto de Viseu tem outra explicação.
      Se o texto de Viseu fosse de confirmação do texto de Coimbra, por D. Teresa não estar presente no acto documental e respectiva cerimónia, então era exigível que os dois documentos fossem iguais, com as mesmas pessoas a intervir, com os mesmos outorgantes, confirmantes, visores (quos vidit), “homens de Coimbra, ts” e “homens de Viseu, ts”. No caso em análise, temos 51 nomes no texto de Coimbra, agrupados em grupos sociais: confirmantes, visores e testemunhas;  No texto de Viseu aparecem os 38 testemunhas, sem distinções sociais e os nomes comuns aos dois textos aparecem misturados com os outros.  Já o mesmo não será necessário se se considerar a repetição da cerimónia para confirmação não de D. Teresa, mas antes do  delagado do Papa.
  
   Uma grande diferença resulta logo do texto de Viseu quando refere 
   
 "Ego Bernardus Tholetanus archiepiscopus et Sancte Romane legatus conf."

 O primaz de Toledo e metropolita de Mérida apresenta-se no texto de Viseu como legado papal (Sancte Romane Ecclésia legatus). Legado a quê, pergunta Almeida Fernandes a fls. 63?   E responde que a presença de Bernardo de Toledo em Viseu foi para “preparar D. Teresa e D. Henrique para aceitarem contra Braga, que a eles convinha, a supremacia toledana, servindo de adequado testemunho da situação a sagração que o bispo eleito de Coimbra (Gonçalo Pais) precisamente aguardava”. Torna-se evidente que a resposta de Almeida Fernandes é demasiado simples e deslocada do contexto, bem como da importância que as cerimónias de Coimbra e depois em Viseu tiveram. A explicação é outra e bem mais importante: a  presença do Primaz de Toledo em Viseu, como delegado do Papa, teve duas finalidades:

    a) Proceder à sagração episcopal de D. Gonçalo Pais que havia sido eleito bispo da diocese de Coimbra.

    b) Autorizar e confirmar, através do delegado papal, D. Bernardo de Toledo, a dioação do mosteiro de Lorvão à Sé de Coimbra.


Às duas cerimónias, de Coimbra e de Viseu, estiveram presentes D. Teresa e D. Henrique. O Dr. Avelino de Jesus Costa trata o documento de Viseu como cópia (doc. B) e data-o em 29 de julho de 1109, e segundo ele, foi nesse dia e nessa cidade que o bispo D. Gonçalo Pais foi sagrado por Bernardo de Toledo, delegado do Papa e diz também que a “doação do mosteiro de Lorvão e suas pertenças à Sé de Coimbra (sedi Sante Marie), ao bispo Gonçalo e aos clérigos foi feita com autorização e confirmação de D. Bernardo e legado do Papa  (cf. Livro Preto – Cartulário da Sé de Coimbra –Coordenação de Manuel Augusto Rodrigues e direcção científica de Dr. Avelino de Jesus Costa-Univ. Coimbra , 1999).

       É sabido que o papado da altura intervinha intensamente na vida dos diversos países, coroando e depondo reis e imperadores e alargando o âmbito dos direitos feudais, bem como exigindo a sua autorização e confirmação em actos que envolvessem a alienação de bens de sua pertença. 
        Como se vê, isto nada tem a ver com a gravidez de D. Teresa e ainda para mais quando ela (D. Teresa) dispunha de mecanismo legais para se fazer representar.
   Na verdade, na altura, havia duas formas de representação jurídica:

     1ª -  O cônjuge doa em seu nome e em representação do marido: “cum consensu viro meo comiti Henrico”. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 24 de Julho de 1110, na doação outorgada apenas por D. Teresa, mas com autorização do marido, de propriedades em Brireiro (Guimarães) e Real (Esposende) a Fromarigo Guterres.
      2ª -  Representação por outra ou outras pessoas (madatários). Foi o que aconteceu, por exemplo, no Foral de Azurara em que ambos os Condes se fizeram representar por três personalidades e onde tal representação está expressamente referida no texto (“in nostra vice”= “em nossa representação”).


  Não utilizando nenhum destes instrumentos jurídicos para se fazer representar, é de concluir que D. Teresa esteve presente na cerimónia de Coimbra, sendo natural que passasse esses dias em Coimbra e Viseu, à semelhança do que aconteceu noutros alturas e em outros locais do Condado, quando andava em viagem de trabalho ou lazer.
    E qual a razão da exigência de confirmação do acto documental por parte do delegado do Papa, arcebispo de Toledo? A razão é-nos dada pelo próprio texto da doação: é que parte dos  bens doados eram propriedade da Igreja:
    
"Damus supra dictum cenobium cum suis adjectionibus cunctis que ad pertinent tam ecclesiaria eiusdem laicalia terras, villas culta et inculta et omniaque scripta sunt in testamentis eiusdem predicti cenobii". 

Saliente-se que a nomeção de um delegado do Papa foi  para estar presente em Viseu (ausente no acto de Coimbra).  Não é curial que o Papa estivesse “metido” nesse alegado designio de manter a supremacia Toledo sobre Braga ou vice-versa, como refere Almeida Fernandes, pois tal facto, ou seja, determinar quem tinha primazia (Toledo ou Braga) dependia exclusivamente dele (Papa).
     Improcede a justificação de Almeida Fernandes quando defende que a cerimónia de Viseu teve por objectivo repetir a de Coimbra, para confirmação do acto em que D. Teresa esteve ausente, pois, nesse caso, repete-se, seria necessário que os documentos fossem iguais e com os mesmos intervenientes, o que não é o caso, como vimos. Aos actos documentais de Coimbra e Viseu assistiram, pessoamente, D. Henrique e D.Teresa. A razão de ter sido escolhido as duas cidades (Coimbra e Viseu), com duas cerimónias foi precisamente a importância que a doação representava para a região Coimbra/Viseu, no âmbito do fortalecimento da defesa dos territórios limítrofes em poder dos muçulmanos e ainda para obtenção de uma cada vez maior autonomia relativamente à monarquia leonesa. Daí a preocupação dos outorgantes em fazer participar em ambas as cerimónias “homens de Coimbra” (homines de Colímbria)  e “homens de Viseu” (homines de Viseo). No documento de Coimbra, os intervenientes surgem agrupados em classes sociais por se tratar de uma cerimónia de “Estado”. Por sua vez, na cerimónia de Viseu por se tratar de uma cerimónia essencialemte da Igreja, os nomes dos intervenientes surgem misturados, sem qualquer referência a classes sociais, como se verifica no documento de Coimbra.
    É de concluir, portanto, que o acto documental de Viseu foi realizado para autorização e confirmação da doação do mosteiro de Lorvão por parte do enviado do Papa, que, além disso, veio também para proceder a sagração do bispo eleito Gonçalo Pais.  Nada tendo a ver com uma hipotética gravidez de D. Teresa, que, como vimos, havia estado presente no acto de Coimbra e, nessa data (29.07.1109) D. Afonso Henriques já tinha nascido, como se deduz do próprio texto da doação, onde D. Teresa pede pela alma dos “filhos e filhas”.
     A vinda de um número tão elevado de gente importante proveniente de Guimarães, Coimbra e Viseu e a solenidade da “traditio super altare”, reflecte, acima de tudo, a extraordinária importância da transferência do mosteiro de Lorvão para a posse da Sé de Coimbra.  Se D. Teresa não podia estar presente, devido à sua gravidez já muito adiantada, como defende Almeida Fernandes, então porque não foi adiada a cerimónia para alguns dias mais tarde ou se não fez representar?  Daqui se vê a falta de razão de Almeida Fernandes. Por outro lado, A. Almeida Fernandes não atribui qualquer relevo, desvalorizando, a presença em Coimbra e Viseu de um clérigo vimaranense ( Echega abbas Vimaranes, no testo de Coimbra = Hechiga vimaranensis abbas, no testo de Viseu). A sua presença nos dois actos é explicada por Almeida Fernandes por ter sido esse clérigo um participante na expedição a Sintra com o fim de pacificar a revolta moura. Não se afigura verosímil tal opinião.  Tratando-se de um abade da Colegiada de Guimarães, a sua presença nos dois actos, deve antes ser interpretada como sendo uma representação da referida Colegiada nos dois actos documentais.  Com a presença do clérigo da Colegiada vimaranense, pretendeu D. Teresa fazer representar a vila de Guimarães, local da sua residência habitual, nos actos de Coimbra e Viseu.  Repare-se que este clérigo vimaranense é o primeiro a ser mencionado no texto de Coimbra, como confirmante, bem como o primeiro a ser mencionado, na qualidade de testemunha, à cerimónia de Viseu. Esta primazia nos dois actos, vai de encontro ao que acabamos de afirmar.
     A doação do mosteiro de Lorvão, bem como muitos outros actos documentais, referentes a pessoas e bens da região de Coimbra/Viseu, outorgados pelos Condes D. Henrique e D. Teresa, devem ser entendidos como uma estratégia relacionada com a defesa dos territórios limitrofes, em poder dos muçulmanos, dando início a um tipo de acção política por parte dos Condes de Portugal, dirigidos a conseguir cada vez mais autonomia da monarquia Leonesa.  Entre as cartas de privilégio da época, relevam as cartas de foral e as doações, como estratégia de priviligiar todos os que acorresssem a habitar e cultivar certas terras que, com frequência, se situavam em locais que ofereciam riscos, como, por exemplo na linha fronteiriça. E muitos foram os actos para a região de Coimbra/Viseu, sem que tal facto obrigasse os Condes D. Henrique e D. Teresa  a mudar a sua residência de Guimarães para Viseu. Nas suas deambulações pelo Condado era natural que tivessem residêncas ocasionais aqui ou acolá, como aconteceu certamente em Coimbra e Viseu para assistirem às já referidas cerimónias.
     Assim, é de concluir que, internamente, o governo de D. Teresa se caracterizava pelos importantes actos, como os da defesa contra os mouros e repovoamento e restauração (Soure, Viseu, Ponte de Lima, Ferreira de Aves, etc.).

 3 - Ausência  de  D. Teresa  na  outorga  da  Carta  de Foral concedida a Azurara da Beira (c. Mangualde)

     Almeida Fernandes defende que D. Teresa esteve ausente na outorga do foral de Mangualde (Zurara).
A primeira grande questão gira à volta da própria data do foral. Enquanto Ameida Fernandes coloca a outorga do documento em 5 de Agosto de 1109, fazendo-a coincidir com a data que já havia encontrado para o nascimento de D. Afonso Henriques, o especialista em diplomática,  Rui de Azevedo, data a Carta de Foral entre 1109-1112, considerando que aquela que se encontra no documento está errada.
    Almeida Fernandes, contra outras opiniões, aponta uma data fixa, desta vez, repita-se, para o foral de Manguade: 5 de Agosto de 1109;  a mesma que havia encontrado para o nascimento de D. Afonso Henriques!  À falta de precisão do especialista em diplomática, Rui Azevedo, que coloca a data do documento no período entre 1109-1112, contrapõe forçadamente Almeida Fernandes uma determinada data: Agosto de 1109. 
      Concorda-se com Almeida Fernandes ao afirmar que D. Henrique e D. Teresa não podendo estar presentes em Mangualde, na outorga do Foral, fizeram-se representar por individualidades ajuramentadas (in nostra vice): Egas Moniz, D. Rabaldo e Gonçalo Peres.
            Como se vê, aqui já Almeida Fernandes admite a representação, quando para a cerimónia de Coimbra e Viseu, “exige” uma confirmação para D. Teresa, esquecendo-se dos institutos de representação a que os condes poderiam lançar mão, como o fizeram, por exemplo, para o foral de Mangualde, onde expressamente se refere a representação e o respectivo juramento dos representantes (“fecimus jurare...in nostra vice”).
   Tudo isto dá a ideia de que D. Henrique e D. Teresa não tinham poder de marcação dos actos documentais em que ambos eram outorgantes, tendo de obedecer cegamente a uma agenda do próprio notário, sem que lhes fosse possível escolher as datas que muito bem entendessem para o bom exercício da sua actividade política. Os argumentos e as tomadas de posição do referido historiador criam um fatalismo tal que nem o vontade de D. Henrique e D. Teresa conseguem alterar. Ou será que D. Henrique e D. Teresa estão sujeitos à agenda do Dr. Almeida Fernandes?  Este facto simples é o maior argumento contra a sua tese.
     Enquanto os hostoriadores datam os documentos em períodos por vezes longos, como acontece com Rui Azevedo a respeito da data do Foral de Mangualde (1109-1112), AlmeIda Fernandes consegue dizer-nos o dia, mês e ano desse foral, fazendo-o coincidir  com o dia, mês e ano do nascimento de D. Afonso Henriques!  A falta de documentação é suprida por Almeida Fernandes com um  conjunto de hipóteses, algumas consideradas pelo autor como verdades absolutas, passando ao lado das questões jurídicas que muito ajudam a compreender o sentido dos documentos.

Guimarães, berço de D. Afonso Henriques


    Na procura do local de nascimento de D. Afonso Henriques importa lançar mão de todos os dados documentais conhecidos – diplomáticos e narrativas - que possam conduzir, se não à certeza, pelo menos à verosimilhança dos factos transmitidos.  Reunidas as fontes possíveis e a tradição, afigura-se que a tese a favor de Guimarães, como cidade-berço do rei Fundador, é aquela que apresenta maior racionalidade e verosimilhança.
    Esses argumentos são os seguintes:

       1º- A sede do Condado Portucalense sempre foi em Guimarães, desde que a família condal se transferiu de "Portus+cale" (povoação situada na margem direita da foz do rio Douro) para Guimarães, procurando segurança das terras do interior, evitando o perigo das zonas costeiras, mais expostas aos ataques dos mouros e normandos.  O Condado Portucalense teve dois períodos: o 1º começa em 868, com Vímara Peres, e termina em 1071, com a derrota e morte de D. Nuno Mendes, na batalho do Pedroso, perto de Braga (1º Condado). O 2º Condado começa com a concessão do Condado Portucalense a D. Teresa e D. Henrique, fixando-se em Guimarães, no palácio real (palatium regale). O 2º Condado termina em 1131, com a sua transferência para Coimbra por D. Afonso Henriques.
      2º - Existe uma longa tradição secular literária que vem já do sec. XIV-XV, sobretudo a partir de Duarte Galvão que na sua “Chrónica de El-Rei D. Afonso Henriques” afirma: “Quando Egas Moniz soube que a Rainha parira, calvagou à pressa, e veio a Guimarães onde o Conde estava, e pedio-lhe por mercê que lhe desse o filho que nascera para o haver de criar, como lhe tinha prometido”. Significa isto que D. Teresa estava em Guimarães depois do parto. Esta tradição foi recebida por Duarte Galvão por via oral.
          3º - Como refere Almeida Fernandes (cf. fls. 20), “com a Terra de Portugal (Minho-Douro ou Minho-Vouga inferior), recebeu D. Teresa o paço real de Guimarães, o qual havia sido dos condes seus antepassados.” E aqui fez a sua residência oficial.
         4º-Antes e depois  dos fins de Julho/princípios de Agosto de 1109 – altura em que o Dr. Almeida Fernandes  diz que D. Teresa estava retida em Viseu, grávida de D. Afonso Henriques, foram outorgados vários documentos que comprovam que, na mesma altura, D. Teresa andou também em zonas do norte do Condado, facto que depõe a favor da sua residência em Guimarães.
          5º - Existe um documento de 1111 que é a escritura de doação, outorgada por D. Henrique e D. Teresa aos franceses moradores da vila de Guimarães de um campo situado junto ao “nosso palácio real”: (palatium nostrum regale) e de quem D. Teresa diz “escolheste habitar connosco na nossa terra” (elegistis nobiscum in terra nostra commorari). O documento assinala com razoável precisão as confrontações desse campo, entre elas, o “palácio real” e a igreja a que chama de Sta. Maria e seu átrio. Ao aludir ao “nosso palácio real”, fica a ideia que, à data do documento, D. Henrique e D. Teresa tinham aí a sua residência, facto reforçado com a expressão “elegestes habitar connosco na nossa terra”. Se D. Teresa residisse em outra local que não Guimarães teria dito apenas “elegestes habitar na nossa terra”, uma mera referência a todo o Condado Portucalense. O emprego simultâneo das palavras “connosco”(nobiscum) e “nossa terra”(in terra nostra), significa que D. Teresa quiz exaltar o facto desses franceses virem residir para o lugar onde ela própria residia-Guimarães.
         6º - A ameaça moura nas zonas de Lamego, Viseu, Seia e Coimbra aconselhavam a manutenção da residência condal em Guimarães, por ser um local mais seguro no aspeto militar. Tal mudança da residência oficial, para Coimbra, só veio a acontecer, como se referiu acima, em 1131, no tempo de D. Afonso Henriques.
        7º - Os principais acontecimentos de 1126-1128, nomeadamente, a revolta contra o governo de D. Teresa, o cerco ao castelo de Guimarães pelo imperador Afonso VII de Leão e a batalha de S. Mamede ocorreram todos em Guimarães.
     8º -Ao longo dos tempos são imensas as referências ao nascimento Afonso Henriques em Guimarães, sendo tal facto ensinado, ao longo dos tempos, nas escolas portuguesas.
                                           

A Data de nascimento de D. Afonso Henriques 

     Atualmente os autores estão divididos entre 1106, 1109 (uma pequena minoria 1111), sendo que o ano de 1109 era aquele que reunia maior consenso entre os historiadores com base na Crónica dos Godos. Porém, o ano de 1109 começou a ser substituído pelo ano 1106, em consequência de um estudo realizado pelo investigador Abel Estefânio, estudo esse publicado no número 8º da Revista Medievalista e muito elogiado por José Mattoso. Abel Estefânio obtem o ano de 1106 a partir de um manuscrito acerca da Vida de S. Teotónio.  Vejamos, sumariamente, as duas datas, obtidas a partir dos dois referidos documentos. 

   
   A) - Se tomarmos como fonte a Crónica dos Godos:

  Temos de conjugar dois documentos, ou seja, a Crónica dos Godos e a doação do mosteiro de Lorvão à Sé de Coimba. Da Crónica dos Godos quando refere:


"...Tendo morrido seu pai, o conde D. Henriques, era ele (infante Afonso Henriques) ainda criança de dois ou três anos..."

 Considerando que a morte de D. Henrique ocorreu em fins de abril/princípios de maio de 1112, então a Crónica dos Godos permite-nos dizer que é mais próximo dos dois ou dos três anos, se houver um facto que nos obrigue a tal. E esse facto existe efetivamente. Trata-se da referência que D. Teresa faz, na doação do mosteiro de Lorvão,  aos filhos e filhas”, nos seguintes termos:

    
"Doamos o referido mosteiro, com as suas vizinhanças...para redenção das nossas almas e das almas dos nossos reis, senhores Fernando e Afonso (respetivamente avô e pai de D. Teresa) e dos nossos filhos e filhas..."

    Daqui resulta que , em 29 de julho de 1109, data da doação do mosteiro de Lorvão à Sé de Coimbra e na qual D. Teresa pede pela "redenção das nossas almas... e pelas almas dos nossos filhos e filhas", D. Afonso Henriques já tinha nascido, contrariando frontalmente a tese de Almeida Fernandes, que coloca o nascimento do infante no dia 5 de Agosto de 1109. 
 As filhas de D. Teresa eram as infantas  Urraca, Sancha e Teresa. E os filhos eram o infante Afonso Henriques e outro irmão que teria nascido antes dele e falecido precocemente. Só se compreende a referência aos "filhos" se eles de facto já tivessem nascido. Por outro lado, a circunstância  de o texto referenciar expressamente o plural para diferenciar os varões das mulheres, revela que, nessa altura, os Condes tinham mesmo esses dois filhos, o primeiro dos quais, como se disse, já tinha falecido
  Ora, tomando como fonte a Crónica dos Godos (como faz Almeida Fernandes) e considerando que quando D. Henrique morreu, em fins de abril/princípios de maio de 1112, então D. Afonso Henriques teria pouco mais de três anos, o que aponta para os três primeiros meses de 1109. Portanto, muito antes da data preconizada por Almeida Fernandes (5 de Agosto de 1109), data essa "escolhida" para defender o nascimento de D. Afonso henriques em Viseu.

 B) - Se tomarmos como fonte a Vita Sancti Theotonii (Vida de S. Teotónio)


    Como se disse, o número 8º da da Revista Medievalista, referente a julho/dezembro de 2010, foi publicado um estudo inédito, da autoria do investigador Abel Estefânio onde, baseado num manuscrito do sec. XII, que se encontra na Biblioteca Pública Municipal do Porto, sobre a vida de S. Teotónio, defende ter D. Afonso Henriques nascido em 1106. Diga-se, desde já que a mesma data é defendida por Alfredo Pimenta e João de Meira.

    A tradução do latim da parte final do manuscrito, efetuada pelo Prof. Aires Nascimento e citada por Abel Estefânio e com a qual se concorda, é do seguinte teor:


       "...Adormeceu na consciência de ter vivido bem e dos prémios dos méritos, no dia décimo segundo antes das calendas de março, a um sábado, à primeira hora do dia, aquela em que Cristo ressuscitou.
      Foi sepultado no dia décimo primeiro das mesmas calendas, no ano 56 do referido Rei Dom Afonso I de Portugal, em cujo tempo recebeu a veste de Cristo e no ano 35 do seu reinado. Viveu em votos de vida regular trinta e um anos. Cumpriu o tempo inteiro da sua vida, como ele referia, entre setenta e oitenta anos, segundo o padrão das escrituras..." 

Este texto da Vita Theotonii contém elementos que realacionados com a data da morte de S. Teotónio, nos dá a data de nascimento do infante Afonso Henriques. O excerto da parte final da Vita Theotonii diz-nos o dia e mês em que ocorreu a morte de S. Teotónio, ou seja, 18 de fevereiro de  (dia XIIº das kalendas de março), mas não nos diz o ano. Existe, porém, consenso generalizado entre os autores, no sentido de que tal facto ocorreu no dia 18 de fevereiro de 1162, porquanto o último documento do prior S. Teotónio é desse ano.

    No seu estudo, Abel Estefânio trata das outras tradições, relativamente à data de nascimento de D. Afonso Henriques, baseadas nas fontes analísticas dos mais antigos anais portugueses rejeitando os anos 1109, 1110 e 1111, acabando por defender a tradição associada ao ano de 1106. Em sintonia com esta tradição do ano de 1106 está a informação existente na pia batismal da capela de S. Miguel do Castelo, em Guimarães, onde a tradição diz que, em 1106, foi batizado D. Afonso Henriques, como resulta de uma inscrição mandada fazer, em 1664, pelo prior da Colegiada de Nª Senhora da Oliveira, D. Diogo Lobo da Silveira.

  Assim, baseados no texto da Vita Sancti Theotonii e considerando que a sua morte ocorreu em 1162 e que, nessa altura, o nosso primeiro monarca tinha 56 anos de idade, então ter-se-á de concluir que D. Afonso Henriques teria nascido em 1106 (1162-56 =1106). E conforme refere o mesmo texto, na altura da morte de S. Teotónio, D. Afonso Henriques contaria 35 anos de governo, iniciados em 1128, com a vitória na Batalha de S. Mamede.


    E qual é a credibilidade do texto do manuscrito da Vita Theotonii?


    A vita Beatissimi Domini Theotonii, primeiro prior do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e conselheiro espiritual de D. Afonso Henriques, é a fonte mais antiga a fazer referência à data de nascimento do nosso primeiro monarca. Abel Estefânio defende tratar-se de um auógrafo escrito cerca de 1162, no período entre  a morte de S. Teotónio e a sua canonização (1162-1163). Esta proximidade da produção do texto (autógrafo) da Vita Theotonii (1162) relativamente à data de nascimento do infanta Afonso Henriques (1106) e a sua contemporaneidade com o período da sua vida (1106-1185) torna esta fonte mais credível que as outra produzidas em  tempos mais afastados, nomeadamente a Crónica dos Godos, escrita muito provavelmente pouco depois da morte de D. Afonso Henriques. A Crónica dos Godos tem contra si o facto de apresentar três referências contraditórias acerca da data de D. Afonso Henriques, retirando-lhe credibilidade.

   Ora, Almeida Fernandes, ao socorrer-se da Crónica dos Godos para determinar a data de nascimento de D. Afonso Heriques "escolheu" uma fonte pouco objetiva, não só pela contradição de datas, mas também por conter uma referência incerta: "Porquanto, morto seu pai, era ainda criança de dois ou três anos". De todo o modo, tendo como fonte a referida Crónica dos Godos, nunca a conclusão é aquela que Almeida Fernandes retira dela, ao fazer convergir para data certa (dia, mês e ano), forçando a intepretação dos documentos em que se baseia, com o objetivo de "provar" que D. Afonso henriques nasceu em Viseu, a 5 de agosto de 1109. Equanto a historigrafia moderna tenta emcontrar o ano de nascimento do nosso primeiro monarca, Almeida Fernandes, nas suas certezas, consegue dizer-nos o dia, mês e ano do nascimento de D. Afonso Henriques. A forma enviesada como lá chegou revela total falta de credibilidade da sua "tese".

Texto retirado do livro do Autor: "D. Afonso Henriques - Data e local do seu nascimento".

                                                                Narciso Machado