sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

O assassinato de Francisco Agra

                               O ASSASSINATO DE FRANCISCO AGRA


        No dia 26 de julho de 1901, quarta-feira,  das 5 para as 6 horas da tarde, o corpo de  Francisco Ribeiro Martins da Costa, mais conhecido por Francisco Agra, é encontrado estendido no chão, num dos caminhos da bouça da Pousada, pertencente à sua quinta da Agra, situada a poucos minutos de S. Torcato, para aonde se havia dirigido para acompahar as obras que ali realizava. O corpo, encontrado por um pedreiro que se dirigia com os picos para a forja dos Mosteiro, "estava de costas, barba empastada de sangue e o fato de linho branco enodoado de terra e sangue" e que o moço dos picos imediatamente identificou como sendo Francisco Agra. Ao pedido de socorro, logo compareceram no local várias pessoas, entre as quais os pedreiros das obras e José da Silva Oliveira, mais conhecido por Zezinho de Segade, que, consternado, quase chorava perante o sinistro achado.
    No dia 29 do mês de junho desse ano, um preso da cadeia da Relação do Porto envia uma carta ao administrador do Concelho, António Mota Prego, informando-o de que está apto a revelar o autor do crime, o que veio a acontecer no dia 5 de julho. Nas suas declarações, esse preso imputa a responsabilidade do crime a Júlio de Campos, lavrador e proprietário da freguesia de S. Torcato, a quem ouviu várias vezes dizer que havia de matar o Agra, pelo facto de ele o não ter protegido nas questões judiciais que o levaram à cadeia. Na sequência da denúncia, Júlio de Campos é preso, apesar de negar a prática do crime e de alegar que Francisco Agra era o seu melhor amigo, a quem devia alguns fovores.
    Efetuada a investigação, o Júlio de Campos acaba por ser acusado e pronunciado "pelo crime de homicídio, seguido de roubo dum relógio e corrente de ouro, na pessoa de Francisco Agra, tendo-o esperado mais de uma vez, armado de espingarda, emboscado e oculto em lugar ermo da quinta da Agra, onde era certo que a vítima devia passar". O tiro foi disparado detrás de um muro, situado do lado direito de quem segue monte acima.
   A audiência de julgamento, realizado no atual edifício do Arquivo Alfredo Pimenta, com intervenção do juri, formado por 9 elementos e um suplente, previamente sorteados, iniciou-se no dia 12 de dezembro de 1901, com a presença de um grande número de pessoas, por ser véspera da festa de Santa Luzia que, na altura, atraía à cidade e à capela da santa milhares de devotos de todo o norte de Portugal.
   O tribunal de juri era presidido pelo juiz A. Fernades Braga, sendo Delegado do Ministério Público o dr. António Vicente Leal Sampaio. A família da vítima era representada pelo mestre de direito, Avelino Cesar Calisto e pela então chamada Ordem do Patrocínio, Gaspar Abreu de Lima. O escrivão do processo foi José de Oliveira, servindo como oficial de justiça Augusto Borges.
   No banco da defesa do arguido sentou-se o dr. Afonso Costa, líder parlamentar e que viria a ser também lider do partido republicano e ministro da justiça do primeiro governo provisório da 1ª República.
 Entre as testemunhas da acusação encontrava-se o Zezinho de Segade a quem Afonso Costa faz um cerrado interrogatório, apesar da testemunha declarar que era amigo de Francisco Agra, de quem era rendeiro, mantendo com ele sempre as melhores relações de amizade. A esta declaração, Afonso Costa respondeu do seguinte modo: "e se eu provasse que o assassino de Francisco Agra, nem é Júlio de Campos, nem está longe de mim"? "Essas habilidades não me amedrontam, pois quem não deve não teme", respondeu Zezinho de Segade.
   Nas alegações finais, o Delegado do Ministério Público traça o perfil de Francisco Agra, salientado a face política da vítima, afirmando que "ele foi na sua terra, como político, sacrificando-se, trabalhando pelos outros, morrendo sem uma venera, sem títulos, sem nada receber do Estado". Enquanto o Ministério Público e o advogado assistente pedem a condenação do arguido Júlio de Campos, Afonso Costa saúda a opinião pública da cidade de Guimarães dizendo que "no começo do julgamento ela era quase unânime contra o arguido Júlio Campos, mas agora, nesta altura do apuramento de contas, a opinião do publico vimaranense afirma a inocência do arguido". O juri recolhe para deliberar, dando como provada a inocência de Júlio de Campos.
   O Delegado do Ministério Público (hoje chama-se procurador) recorre da sentença, tendo Júlio de Campos ficado em liberdade mediante caução de 5 contos, prestada pelo comerciante Bernardino Jordão, em virtude de o arguido não ter meios para a prestar. Nesse recurso, o Ministério Público arguiu nulidades e os tribunais superiores mandam repetir o julgamento. Então o Júlio de Campos volta a ser preso para, em prisão preventiva, aguardar o novo julgamento. Na repetição do julgamento, tanto o Ministério Público como o advogado assistente voltam a pedir a condenação do júlio de Campos, apesar de Afonso Costa, no interrogatório da testemunha Zezinho de Segade, ter descoberto que o verdadeiro assassino estava perte de si, ou seja, era a própria testemunha de acusação, Zezinho de Segade, mas que a acusação não tinha dado crédito.
   As 6 horas da manhã do dia 20 de fevereiro de 1903, o novo tribunal de juri, presidido por outro juiz (Francisco A. da Silva Leal), absolve novamente Júlio de Campos e o seu advogado logo alí declara  que iria, com o seu cliente, proceder a averiguações por sua conta e risco. E em consequência de várias deligências, Zezinho de Segade é preso, confessando no primeiro interrogatório a autoria do crime, alegando que matou "por ciume, pois, o Agra pretendera desencaminhar a sua amante. Dera-lhe 20.000 reis para que fosse ter com ele, Agra, a um pinheiral".
    Em julgamento, curiosamente iniciado também no dia 12 de dezembro, mas de 1904, nega a sua confissão.
   Zezinho de Segade acaba por ser condenado a pena maior, beneficiando de dois perdões que o devolvem mais cedo à liberdade. Pouco tempo depois aparece enforcado numa árvore, nunca se sabendo se tal ato foi praticado por suicídio ou homicídio. No lugar em que foi assassinado Francisco Agra foi erguida uma memória em pedra. 
     Este erro judiciário, que agora se põe em foco, prova quanto é perigosa a existência da pena de morte, ainda em vigor em muitos países, e contra a qual a Amnistia Internacional elegeu como prioridade do seu combate.

   Tema publicado pelo autor, em 1995 e 2010, no Notícias de Guimarães, tendo como fonte de informação "Os Grandes Dramas Judiciários", de Sousa Costa.                                      

                                                 Vida e obra de Francisco Agra 

       Francisco Ribeiro Martins da Costa (Francisco Agra) nasceu em Guimarães, no dia 30.06.1849. Era filho de Francisco José Ribeiro de Abreu e de Ana Emília de Araújo Martins da Costa. Foi batizado na igreja de S. Miguel do Castelo. Frequentou o 1º curso de filosofia e matemática  na Universidade Coimbra, mas do qual desistiu. Avesso a honrarias,  era muito respeitado no meio social e político, sendo conhecido pela sua austeridade, lealdade e honradez. Foi chefe do partido Regenerador durante 20 anos, exercendo o cargo de Administrador substituto do Concelho em 1872/1873.
  Foi, juntamente com João Franco, um lutador incansável pelo progresso do concelho. Esteve na origem da Exposição Industrial de Guimarães, em 1884, da Escola Industrial Francisco de Holanda e da reorganização da Colegiada e do Seminário de Nossa Senhora de Oliveira e do Liceu Nacional.
   A sua residência, na rua de seu nome, em Guimarães, serve atualmente de sede ao Círculo de Arte e Recreio (CAR), Associação cultural vimaranense de reconhecidos méritos.
                                                                             Narciso Machado