quinta-feira, 29 de dezembro de 2016


                                         


                             CONFLITO ISRAELO-PALESTINANO  



                                1 - As causas do conflito

     O governo israelita, nos últimos tempos, tem confirmado a intenção de construir centenas de casas nos colonatos da Cisjordânia, apesar da oposição dos Estados Unidos da América (EUA), da União Europeia (UE) e da Autoridade Palestiniana, considerando-os um dos principais obstáculos ao processo de paz. 
  No dia 23 de dezembro de 2016, nos fins do mandato do presidente dos EUA, Barack Obama, o Conselho de Segurança aprovou uma resolução 2334, condenando a politica de expansão judaica nos territórios ocupados por Israel em 1967, exigindo à Israel a cessação imediata e completa de todas as atividades de povoamento em território  palestiniano ocupado, incluindo Jerusalém Leste.  A Resolução foi aprovada com 14 votos a favor e a abstenção dos EUA. Foi a primeira vez que os EUA deixou passar uma resolução contra os colonatos, pois em outras ocasiões exerceu sempre o direito de veto. Esta opção inédita, a menos de um mês do fim do mandato de Obama e com efeitos não apenas simbólicos, provocou uma frenética reação do primeiro ministro israelita, Benjamin Netanyahu, mas este suspendeu logo a seguir uma expansão dos colonatos, projetados para Jerusalém Oriental. Esta resolução ficará como um marco na política internacional americana. Recorde-se que há mais de 600 mil colonatos em Jerusalém Oriental, muitos deles nativos, ou seja, já lá nascidos.
    Mas, para além dos colonatos, existem outras razões bem mais impeditivas à obtenção dessa paz, como resulta da própria história dessa região.

   Vejamos:
  
   Nos fins do sec. XIX, o movimento sionista faz despertar a ideia da criação de um Estado Judaico, gerando a ideia messiânica nas comunidades judaicas da Rússia e de outros países da Europa Oriental, determinando o início de uma forte corrente migratória para a Palestina que faz compreender e sentir a necessidade de obter um território para satisfazer as profundas aspirações judaicas, centradas na construção do "Grande Israel", Com o nazismo mais se incrementou a entrada de Judeus na Palestina.
    No dia 29 novembro de 1947, uma maioria das Nações Unidas (com os EUA e a USSR) votou a favor da divisão da Palestina em dois Estados: um Judaico e outro Árabe, com fronteira bem definidas e uma união económica entre os dois Estados. Jerusalém, considerada cidade santa para as três religiões (judaismo, cristianismo e islão) seria cidade internacional, administrada pelas Naçóes Unidas (ONU).
    Os Judeus, que nesta altura possuiam 10% do território palestiniano, iriam receber 55%, ou seja, cerca de 15.000 km2. A população árabe, com 1,3 milhões de habitantes e quase duas vezes maior, iria receber apenas 11.000 km2. Considerando esta divisão injusta, a Liga Árabe (os palestinianos ainda não tinham uma representação)
 regeitou esta divisão.
    No dia 13 de maio de 1948, termina o mandato britânico e, no dia seguinte, David Ben Gurion (o 1º primeiro ministro da Defesa e primeiro ministro de Israel, entre 1948-1953) proclama o Estado de Israel, mas com uma fronteira muito diferente da aprovada pela ONU, ou melhor, com um território superior em cerca de 1/3 ao acordado. Rebenta então a guerra entre árabes e judeus que se mantém até aos nossos dias, com alguns curtos períodos de paz.
   Em 1967, Israel lança ataques de antecipação contra o Egito, Síria, Iraque e logo a seguir contra a Jordânia e, em seis dias, ocupa o resto da Palestina (Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalèm). Seis dias depois, a ONU aprova a resolução 242 considerando inadmissível a apropriação de terras pela força das armas, pedindo a Israel que se retire dos territórios ocupados. A partir daí, Israel colocou-se numa posição difícil com a sua política de ocupação e colonização dos territórios ocupados. De acordo com a Resolução 446 do Conselho de Segurança da ONU, adotada em 1979,  a construção de colonatos nos territórios ocupados na Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Montes Golã (Siria) não tem valor legal, no âmbito do direito internacional.


    Estes são os factos que, em síntese, têm sido as causas essenciais da guerra permanente entre israelitas e palestinianos.
 Jimmy Carter, presidente dos EUA, entre 1977-1981 e nobel da Paz, no seu livro "Palestina - Paz, Sim. Apartheid, Não", aproveitando a sua experiência e conhecimento do Médio Oriente, traça o itinerário a seguir por Israel e Palestinianos no caminho da paz. O livro tornou-se polémico, desde logo, por imputar a Israel a culpa do conflito ao violar as várias resoluções da ONU, ao contrariar a política oficial americana e ao alhear-se do "Roteiro Internacional para a Paz".  Jimmy Carter ataca também a política dos colunatos nos territórios ocupados por Israel em 1967, considerando-os um dos grandes obstáculos à paz. O livro foi objeto de críticas por parte de vários setores da comunidade judaica.
  Ao longo da História, houve sempre uma presença judaica na Palestina (vg Jerusalém, Hebron e Tiberíades) de tal modo que quando o sionismo político, nascido na Europa no sec. XIX, na sequência do tal sonho messiânico, enviou as primeiras vagas migratórias para a Palestina já lá existiam comunidades judaicas.

   Atualmente, os palestinianos exigem as seguintes condições:
  1 - A retirada do exército judaico para as posições anteriores às ocupações de 1967.
  2 - A destruição do muro e o fim do cerco de Gaza,
 3- O desmantelamento de todo o sistema de colonatos levados a cabo pelos israelitas

  4 -  O reconhecimento do direito do povo palestiniano a um Estado viável, livre e independente, com capital em Jerusalém-Leste, lado a lado com o Estado de Israel.

   Os israelitas dizem que Jerusalém fora cidade santa para os judeus em primeiro lugar e que esta cidade nunca fora tão importante para os muçulmanos como Meca ou Mediana. Os cristãos, por sua vez, alegam que Jerusalém foi palco da morte e ressurreição de Jesus e, por isso, testemunhou o nascimento da fé cristã.
    Diremos que a realidade histórica é que cada uma das três religiões desenvolveu tradições notavelmente semelhantes quanto à cidade, criando a devoção por um lugar santo, como manifestação de fé, como o atestam o Muro das Lamentações, as sinagogas, os templos cristãos e muçulmanos. Esta tríplice reivindicação e o circunstancionalismo histórico da região tem originado e condicionado a convivência pacífica e cultural desde o reinado de David até ao atual conflito israelo-palestiniano. Importa, pois, ultrapassar o estatuto mítico de jerusalém para uma discussão racional sobre os direitos e sobre a soberania.
   Por isso, espera-se que comunidade internacional descubra uma fórmula compatível com o direito internacional para uma paz justa nesta região, tão pequena mas tão disputada. O sangue derramado na Terra Santa é um grito angustiado que pede a paz.

                                      
                                               2 - Soluções para o conflito

    A hostilidade entre judeus e muçulmanos não é uma inevitabilidade histórica. Em muitos aspetos judeus e muçulmanos estão mais próximos do que em relação aos cristãos. Com efeito, conviveram bem ao longo dos séculos, não só na Península Ibérica mas também em Istambul e nos Balcãs. O profundo antagonismo existe apenas desde o século XX e nada tem a ver com a religião, mas sim com o conflito no Médio Oriente entre Israelitas e palestinianos, de modo que a relação entre estes dois povos não poderá melhorar sem se resolver este conflito.

    A União Europeia (UE), muito mal representada para os negócios estrangeiros, poderia e deveria ter um papel importante a cumprir numa caminhada pela busca da paz no Médio Oriente, mas pouco ou nada foi feito.
    A situação no Médio Oriente dependerá também, no plano religioso, da colaboração entre cristãos, muçulmanos e judeus na promoção da paz, da justiça e dos vlores espirituais e morais. Acusações mútuas têm sido uma constante durante os mais de 20 anos de negociações frustradas e de cerca de 70 anos de guerras sangrentas, razão mais que suficiente para as partes envolvidas mudarem de paradigma nas negociações.
    O povo palestiniano, situado entre  Estados árabes e Israel tornou-se num povo oprimido, de fugitivos e de combatentes pela liberdade, terreno fértil para o terrorismo, que despreza os valores humanos mais sagrados. 
  As três religiões abraâmicas, indiretamente envolvidas neste conflito, deviam estar cientes da sua responsabilidade ética e moral, e num movimento inter-religioso e intercultural, deviam usar os seus recursos espirituais para alcançar a paz e torná-la permanente.
    Estes factos confirmam, dramaticamente, que os esforços do Papa Francisco, numa visita à região, em 2014, e o encontro que promoveu entre o líder palestiniano, Mahmoud Abbas e o então presidente de Israel, Shimon Peres, devem continuar. Recorde-se que, na altura, o Papa Francisco afirmou que "é preciso mais coragem para fazer a paz do que fazer a guerra", desafiando judeus, cristãos e muçulmanos "a saírem dos seus muros e a percorrerem os caminhos da tolerância e do diálogo inter-religioso".

   Em 1993, o ministro dos negócios estrangeiros da Noruega, Johann Holst, promoveu conversações de paz, altamente secretas, entre o governo de Israel e a OLP, sem qualquer envolvimento americano. Shimon Peres, então ministro dos negócios estrangeiros, realizou mais de 12 reuniões, a maioria delas em Oslo, com uma delegação enviada pelo líder da OLP (Yasser Arafat) e encabeçada por Mahmoud Abbas. O acordo foi assinado na Casa Branca, na presença do então presidente Bill Clinton, e seguido de discursos de ambos os líderes (Ytsak Rabin, primeiro ministro israelita e Arafat) a favor da paz.

     O acordo estabelecia, no essencial, o seguinte:

  1 -  Uma retirada faseada das forças militares israelitas da Margem Ocidental.
  2 - O estabelecimento de uma autoridade governamental palestiniana.
  3 - Um período transitórios durante cinco anos para serem negociadas as questões mais difíceis e específicas.
  4 -  Em setembro de 1993, Arafat, em carta dirigida a Rabin, e para fazer parte do acordo, reconhecia o direito de Israel a viver em paz, renunciava à utilização do terrorismo e a outros atos de violência.

    Nos tempos seguintes surgiram fortes protestos por parte de elementos radicais de ambos os lados, sendo que, em novembro de 1995, Ytzhak Rabin viria a ser assassinado por um fanático religioso da direita israelita.

    Bill Clinton, nas suas memórias ("A Minha Vida") faz a seguinte declaração:
  "Shmon Peres veio avistar-se comigo, pela primeira vez como primeiro ministro, para reafirmar a intenção de Israel de entregar Gaza, Jericó e outra cidades importantes e 450 aldeias da Margem Ocidental aos palestinianos pelo Natal e de libertar, pelo menos, mil prisioneiros palestinianos antes das próximas eleições israelitas".
   Rabin, Peres e Arafat viriam a receber o Prémio Nobel pelo acontecimentos histórico que representou o Acordo de Oslo.
  Com o abandono de uma política de abertura, relativamente à questão palestiniana, iniciada por Rabin e Shimon Peres, os governos que lhes seguiram colocaram  o Estado de Israel numa posição de cada vez maior isolamento perante a comunidade internacional. Para tal contribuiu decisivamente a sua política de ocupação de território palestiniano, através da construção de um número cada vez maior de colonatos.
  Uma solução para o aparentemente indissolúvel conflito Israelo-palestiniano só é possível com base num plano justo e conclusivo que exija concessões de ambas as partes e que prometa ganhos dos dois lados. Assim, uma vez que nenhuma das partes abdica de Jerusalém, a cidade velha que tem, por si só, relevo político e religioso para as três religiões abraâmicas (judaismo, cristianismo e islamismo), ficaria com duas soberanias e duas bandeiras, mas uma única administração conjunta. Ou então fazer de Jerusalém uma cidade internacional com administração da ONU.

Depois de mais 20 anos de negociações falhadas, poder-se-ia mudar de paradigma e entregar a solução a uma organização arbitral, aceite por ambas as partes, de modo que a decisão que viesse a ser tomada, com recurso à equidade, fosse cumprida por ambas as partes. A equidade fundamenta-se em razões de conveniência, de oportunidade e, principalmente, na justiça concreta.

                                                                                         Narciso Machado





















































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