sexta-feira, 31 de agosto de 2018

 

                        Comemoração da fundação de Portugal


     Narciso Machado
(juiz desembrgador jubilado)


“De Guimarães o campo se tingia
Co`sangue próprio da intestina Guerra
Onde a mãe, que tão pouco o parecia,
A seu filho negava o amor e a terra.
Com ele posta em campo já se via,
E não vê a soberba o muito que erra
Contra Deus, contra o maternal amor,
Mas nela o sensual era maior”.
 (Camões -  in  Os Lusíades .canto III-31)


       “Era de 1166 (1128) : no mês de junho, festa de S. João Batista, o ínclito infante Afonso  travou com eles, indignos  estrangeiros da nação, combate no campo de S. Mamede, próximo do castelo de Guimarães .Venceu-os e prendeu-os na sua fuga…” (In “Crónica dos Godos”- fins do sec. XII).

       Num feriado apenas municipal, os vimaranenses comemoram mais um aniversário da Batalha de S. Mamede, ocorrida no dia 24 de Junho de 1128 (da era cristã) e considerada como o primeiro ato da Fundação de Portugal, já que a derrota do infante Afonso, nessa batalha, representaria a perda, sem remissão, da causa nacional. Em aniversários anteriores, abordei a figura de D. Afonso Henriques, como militar e político (PUBLICO – 10.6.15). Agora pretendo recordá-lo como “pio, beato e santo” e como diplomata. Recorde-se que os monges de Santa Cruz de Coimbra e de Alcobaça, cujos mosteiros D. Afonso Henriques ajudou a fundar, sempre assumiram a incubência e a responsabilidade de cultivar a sua memória, promovendo a sua beatificação junto da Cúria Romana. Em 1728, o padre José Pinto Pereira publicou, em Roma, um livro a que chamou “Apparatus Historicus…” onde apresenta dez argumentos para comprovar a santidade de D. Afonso Henriques., obtendo o apoio do rei D. joão V. A esta face acumula-se uma outra, igualmente importante: a de diplomata.
    O Vaticano foi o primeiro Estado a reconhecer Portugal como uma nação independente. Tal facto deve-se a D. Afonso Henriques e à sua diplomacia. Na verdade, além de um exímio militar e político, D. Afonso Henriques foi também um excelente diplomata. Na tentativa de se libertar dos laços de vassalagem que o ligava a Leão e Castela e obter a garantia e consolidação do Reino, o nosso primeiro monarca promoveu imensas diligências no sentido da constituição de uma vassalagem ao Papa Inocência II, o que fez em 1143, nas mãos do Cardeal Guido de Vico, encomendando  o território português a S. Pedro e à Igreja Romana.  
 Documentando esse ato de enfeudamento, D. Afonsdo Henriques dirige à Cúria Romana, em 13 de Dezembro de 1143, a carta Claves Regni Coelorum, prometendo um tributo anual de quatro onças de ouro, mas pondo como condição de “gozar da proteção papal, para si a para a dgnidade e categoria de reino e não reconhecer qualquer senhorio espiritual ou temporal, exceto o papa e seus delegados. Na conquista do reconhecimento papal da independência do reino, D. Afonso Henriques teve a ajuda preciosa do arcebispo de Braga, D. João Peculiar, que chegou ir a Roma umas seis vezes.
      D. Afonso Henriques promoveu, simultaneamente, a constituição de uma Igreja nacional dependente da primazia bracarense e não de Toledo. Nessa altura, a Cúria Romana dava a D. Afonso Henriques o título de “dux”. Apenas em 1179, no pontificado de Alexandre III, é que a existência do reino de Portugal e a dignidade real de D. Afonso Henriques foram reconhecidas pela bula “Manifestis Probatum est”, emitida a 23 de Maio daquele ano. Por este diploma, o Papa Inocência III, “considerando D. Afonso Henriques pessoa provida de prudência e dotado de justiça e idóneo para um governo de um povo, aceita-o, e aos seus sucessores, sob a proteção papal e de S. Pedro, com a dignidade do reino, com todas as terras que, com o auxílio da Graça Celeste, ganhar aos sarracenos…”                                                                                       
   Com se vê, pelo citado documento, D. Afonso Henriques passou a ser considerado rei e Portugal um reino independente. Por esta razão, a comemoração da Batalha de S. Mamede, representando a fundação de Portugal, bem merecia um feriado nacional, facto que os vimaranenses reclamam há longos anos e bem poderia ter o apoio da atual Presidente da República. 

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