sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Os caminhos de Santiago de Compostela - a via Guimarães

 Narciso Machado

A história religiosa de Santiago de Compostela começa no dia 25 de julho do ano 813, altura em que o bispo de Iria Flávia, Teodomiro, anunciou a descoberta do sepulcro do Apóstolo no descampado próximo de San Fiz de Solovio, chamado Libere Donum, e que viria a transformar-se na cidade de Compostela, na Galicia. A notícia da descoberta propagou-se rapidamente por toda a cristandade.
Sobre o túmulo do Apóstolo foi construida uma modesta ermida que depois o tempo se encarregou de dar a feição monumental de catedral, transformando-a  em importante “centro da fé peninsular. Desde então, um movimento contínuo de peregrinos e viajantes manteve-se até hoje entre Compostela e o resto da Europa.
As atenções de vários papas contribuiram decididamente para esse efeito. O papa Alexandre VI, em 1499, a pedido dos reis católicos, Fernando e Isabel, criou a Confraria do Senhor Santiago que mais tarde, em 1942, Pio XII haveria de promover através da Arquiconfraria ad Honorem, declarada perpétua e elevando Compostela a “Cidade Santa”.” O papa Leão XIII, em novembro de 1884, através da bula Deus Omnipotens, proclamou a autenticidade das relíquias do Apóstolo Santiago Maior, exortando os bispos de todo o mundo a promoverem peregrinações a Compostela. Foi nesta altura que se vulgarizou o Caminho Jacobeo” e a oficialização das rotas com fins exclusivamente comerciais.          
Em 1954, João XXIII fez uma peregrinação ao lugar do túmulo do Apóstolo e, em março de 1975, Paulo VI, considerou Compostela o “Farol da Unidade”. No Ano Jubilar de 1982, o Papa João Paulo II, esteve presente em Compostela, numa concentração de jovens de todo o mundo.
A partir do século XII milhares de peregrinos cruzavam, a pé, os caminhos de toda a Europa, indo prestar devoção ao túmulo de S. Tiago, por vezes orientados pelas estrelas da Via Láctea, chamada, por isso, “Estrada de Santiago”.
  Do exposto resulta que, desde o século IX, se fixou na atual capital da Galiza, Santiago de Compostela, a sede universal do culto jacobeo, alterando completamente o mapa social, religioso e político de toda a Europa, sendo o roteiro mais antigo o que estabelecia a ligação entre Iria Flávia e Braga, apesar do Caminho Francês ter a fama de ser o mais antigo. Na verdade, o Caminho Português existe desde a descoberta das relíquias do Apóstolo. Nos princípios do século XIII, a designação de romeiro (o que ruma, o que vai em romaria a lugar santo) haveria de dar lugar à designação de peregrino, palavra derivada da expressão latina “per agros”, ou seja, a pé pelos campos.
O número de peregrinos atingiu o seu explendor, nos séculos XI e XII. Ao longo dos caminhos para Compostela existiam os albergues e hospitais para darem apoio aos peregrinos, sendo de salientar a fundação em Braga, entre 1129 e 1137, de um hospital e de uma albergaria junto à ermida do Espírito Santo, fundados pelo arcebispo D. Paio Mendes, bem como a albergaria de Nª Srª da Silva, na zona do Porto e outra albergaria para peregrinos jacobeos, ambas fundadas por D. Teresa (mãe de D. Afonso Henriques), que haveria de dar a origem a Albergaria - a - Velha.
 Entre os vários reis e outras figuras históricas que peregrinaram ao túmulo do Apóstolo enconta-se o Conde D. Henrique que tudo fez para reforçr o poder do arcebispo de Braga relativamente ao bispo de Compostela, obtendo para a Sé bracarense o estatuto de metropolitana.
   Os caminhos portugueses para Santiago de Compostela faziam-se por duas vias principais: Lisboa - Porto - Tui e Lamego - Chaves - Orense. A estas vias juntavam-se muitos caminhos secundários e entrecaminhos, através dos quais os peregrinos acediam a santuários de particular devoção. Entre os muitos peregrinos estrangeiros residentes em Portugal encontram-se Clenardo (1537), celebre humanista, que foi de Braga a Santiago e regressou por Valença, Ponte de Lima, Viana do Castelo, Barcelos, Guimarães. Outro estrangeiro foi Erich Lassota de Steblovo, oficial de armas de Filipe II (1581) que seguiu para Santiago utilizando o caminho a partir de Lisboa, Golegã, Tomar, Coimbra, Águeda, Albergaria, Oliveira de Azeméis, Gaia, Valongo, Alfena, Vizela, Guimarães, Braga, Ponte de Lima, Valença, Tui e Compostela. Outros peregrinos, vindos de Lisboa seguiram o caminho do Porto, Maia, Azurara, Vila do Conde, Rates, Correlhã, Ponte de Lima, Rubiães, Cerdal, Valença, Tui e Copostela. Outro caminho do litoral utilizava a via Viana do Castelo, onde, segundo as Cortes de Lisboa de 1459, havia “huu esprital pera os pelegrinos e romeeus que veem para Santiago”. Como se vê, entre Douro e Minho existia o caminho interior e o caminho litoral, ambos convergindo em Valença. No mapa dos itinerários jacobeos, a sul de Lisboa, encontram-se o caminho  sadino, o alentejano e o algarvio.
  No decurso dos caminhos para Santiago, os peregrinos faziam paragens ou pequenos desvios para rezarem em capelas devocionais ou importantes centros religosos, como, por exemplo, em Rates  ou no santuário de Santa Maria de Guimarães e na capela de Santiago.
  Saliente-se que o santuário de Santa Maria de Guimarães (Srº da Oliveira) e a capela de Santiagos foram os centros religiosos mais visitados pelos peregrinos que se dirigiam, em romaria, para Santiago de Compostela, de tal modo que o povo cantava o seguinte adágio popular:

“Quem for a Santiago e não visitar a Senhora da Oliveira, não faz romaria verdadeira”.

Neste acesso a Guimarães, foram importantes, na idade média, o ”caminho do Porto”, a “via Guimarães” e a “via Braga”. Assim, atendendo a que Santa Maria de Guimarães, cuja Colegiada é a mais antiga do país, se tornou um grande centro mariano e lugar privilegiado da peregrinação jacobeia, é natural que os peregrinos vindos do sul, ao chegar ao Porto se dirigissem para Guimarães, seguindo depois o caminho de Braga, Ponte de Lima e Valença. A rota do Porto para Guimarães fazia-se através da estrada romana/ medieval que começava na travesia do rio Douro, em Cale, dirigia-se para Valongo e Alfena, onde cruzava o rio Leça, na ponte de S. Lázaro. Entre este local e a ponte de Negrelos (Sto Tirso), contornava a meia encosta pelo monte, pela face oeste e norte e pelo maciço montanhoso de Monte Córdova, passando muito próximo do castro de Monte Padrão, rumando depois para S. Martinho do Campo (Santo Tirso), atravessando aí a  ponte de Negrelos sobre o rio Vizela  e daí para Guimarães.
Como se disse, para além do culto a Santa Maria de Guimarães, existia ali contígua a Capela de Santiago que os peregrinos, mesmo antes de chegar a Compostela, aproveitavam para prestar o culto ao Apóstolo. Essa capela, com culto até à sua demolição, em 1886, teve origem na doação de um campo aos irmãos francos Umberto, Gualter e Rberto, que os condes portucalenses, Henrique e Teresa, lhes fizeram, bem como a todos os franceses que viviam, no dizer do documento, “in villa de vimaranis”,  para que nele construissem uma capela para aí assistir aos ofícios divinos e aí serem sepultados.

 Refira-se, como parênteses, que o referido documento de doação encontra-se outorgado pelo conde D. Henrique e D. Teresa, com a data de 2 de janeiro de 1121, sendo que D. Henrique faleceu em 1112. Uma corrente historiográfica, por essa razão, aponta a data do documento no ano de 1111, como é o caso do historiador medievalista, A. de Almeida Fernandes (cf. Viseu, Agosto de 1109, Nasce D. Afonso Hnriques, p. 172, nota 30). No entanto, o diplomatista Rui Pinto de Azevedo, (especialista na crítica externa de documentos medievais, para verificação da sua autenticidade)  defende que a data de 1121 é a correta, explicando que a inclusão do conde D. Henrique na outorga e robora do documento, “talvez tenha sido efetuada com o propósito de lhe adicionar mais força e solenidade”. Sendo assim, a doação do campo para a construção da capela aos irmãos francos foi efetuada apenas por D. Teresa. Feito este parênteses, voltemos à rota jacobeia, para se concluir do segunte modo:  

 Nos últimos tempos a rota jacobeia tem ganho protogonismo, tranformando-se num importante itinerário espiritual e cultural, sendo que, em 1985, a Unesco declarou a cidade de Compostela Património Universal da Humanidade. Em 1987, o Conselho da Europa reconhece o Caminho de Santiago como “Primeiro Itinerário Cultural Europeu”. Em 1993 e 1998, os caminhos de S.Tiago tornaram-se Património da Humanidade, respetivamente, na Espanha e em França.  Relativamente a Portugal, apenas em 1993, Ano Santo do jubileu, foi atribuda ao nosso Presidente da República, no dia do Apóstolo, a medalha de ouro da  cidade de Compostela, o que é manifestamente pouco.

Por isso, vai sendo tempo que o mesmo reconhecimento de Património da Humanidade aconteça em Portugal, à semelhança de Espanha e França, pois, como se já referiu, o Caminho Português é roteiro mais antigo da Europa, existindo desde os tempos em que foram descobertas as relíquias da Apóstolo.                   
    
                                                                Bibliografia

  - Aberto Vieira Braga - Infuência de S. Tiago da Galiza em Portugal - Separata da Homenagem a Martins Sarmento, Guimarães, 1993. Reedição pela Casa Sarmento-1993.
  - Carlos Gil e João Rodrigues - Por Caminhos de Santiago (Itinerários potugueses para Compostela, Publicações Dom Quixote 1997
 - Ana Catarina Mendes- Peregrinos a Santiago de Compostela
 - Vitor Manuel Adrião - Santiago de Compostela- Mistérios da Rota Portuguesa, Dinapress - 2011.
- Marcelo Caetano- Caminho de Santiago, Caminhos de Portugal e de Espanha, Lisboa, 1970.
- Umberto Barraquero Moreno - Vias Portuguesas a Santiago de Compostela na Idade Média, Rev. Fac. de Letras, História, Lisboa 1986
 - Prof. José Marques - A Assistência aos Peregrinos no Norte de Portugal
-  Padre Hilário Oliveira da Silva - Capelas, Cruzeiros e Clamores no Arcebiprestado de Guimarães e Vizela.
 -   Rita Ribeiro  da Silva - A Minha Praça de S. Tiago - edição de autor -2012.
  - Narciso Machado - A Rede Viária Romana e Medieval no concelho de Guimarães - edição de autor -Gráfica do DM - 2012.

   


                 


                        
                                                                   Imagem de S. Tiago, com uma vieira ao peito
                                                                    e um bordão na mão, símbolos do peregrino.
                                                                     (Pintura de Carlo Crevelli -1480 - Wikipédia)

                                                                           
        O caminho  portugês de Santiago, “via Guimarães”.                



 
 Praça de S. Tiago, contígua ao Largo do Santuário de Santa Maria de Guimarães.
                                                             *   *    *
Mais ou menos no centro da praça, situava-se a capela dedicada ao Apóstolo, cujo desenho
da implantação se encontra registado no pavimento, colocado aquando da reabilitação
 da praça, pelo arquiteto Fernando Távora, nos finais da década de 1980.
   Destaca-se também no pavimento a Vieira, símbolo do santo peregrino e uma inscrição
retirada do foral concedido a  Guimarães pelo Conde D. Henrique e D. Teresa (1095/1096).
Porém,  Seria mais adequado que a frase fosse retirada da carta de doação de que se fala
no texto, outorgada aos irmãos franceses, Umberto, Gualtar e Roberto, que, como vimos,
 estão na origem da capela.      

   


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