quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Memórias de Guimarães




                A Rede Viária Romana e Medieval do Concelho de Guimarães

                                                 As origens de Guimarães

   Antes de tratar da romanização de Guimarães, vejamos o que dizem as narrativas acerca das suas origens.
  Quando se fala nas origens de Guimarães logo se pensa em Mumadona, na construção, em meados do sec. X, da torre (castelo) de S. Mamede e no mosteiro dúplice de monges e freiras, onde viria a nascer um importante centro urbano, cultural e religioso.
   Porém, outra narrativa reporta as origens de Guimarães a uma antiga povoação da Lusitânia, com o nome ARADUCA (de Ara-Ducum =Altar dos Capitães), de localização incerta, dividindo-se os autores entre Guimarães, Amarante e até Aljubarrota.
   Por exemplo, Manuel de Faria e Sousa, na "Fonte de Aganipe" diz que Araduca corresponde ao local onde hoje é Guimarães. Igual opinião tem Filipe de Gândara, nas "Armas e Triunfos da Galiza", o padre João Batista de Castro em "Mapa de Portugal", o padre António José Ferreira Caldas em "Guimarães - Apontamentos para a História", Contador de Argote e Molécio. Gaspar Estaço, nas "Antiguidades de Portugal" localiza Araduca a 17 léguas e meia da foz do rio Douro. 
    Já Bernardo de Brito, na "Monarquia Lusitana" e Manuel da Esperança, na "História Seráfica dos Frades Menores" dizem que Araduca corresponde a atual Amarante. Porém, a opinião maioritária é, sem dúvida, a favor de Guimarães.
   Convém não confundir ARADUCA com ARADUCTA, antiga cidade que parece corresponder à atual vila de Arouca.
      Vejamos o que nos diz António Caldas (1843 - 1884) a respeito de Araduca, antiga Guimarães, na referida obra, a  pags. 28 e 29:

  "Esta antiquíssima povoação, assim diversamente nomeada, circunscrevia-se entre os rios Ave e Vizela, junto ao monte Latito, hoje monte de Santa Maria e Monte Largo, a uma área pouco dilatada e - "cercada de uma muralha bruta, pouco alta, e esconsa, sem ameias, assentada sobre uma barbacã" que devia ter por centro aproximadamente a atual igreja de Santa Margarida. No último quartel do sec. XVII já todas as ruas da antiquísssima vila estavam desfeitas e arruinadas e apenas se conservava a que hoje ainda resta com o título de Santa Margarida: tudo o mais foi repartido em quintais particulares, em cuja cultura se encontravam alicerces em quantidade, vestígios seguros das primeiras edificações.
   Mas ainda assim tão pouco importante, como seria, gozou da sua autonomia por um longo período, e chegou a ter as sua jurisdição separada da nova vila de Guimarães; e tanto assim, diz o padre Torcato de Azevedo, nas suas MEMÓRIAS RESSUSCITADAS, pag. 163, que ainda em uma procissão, que a Câmara costuma fazer todos os anos no 3º Domingo de Julho ao Anjo Custódio, que sai da real colegiada, acompanhada da Colegiada, Câmara, e Ministros, e Povo, e entram na vila de Araduca, e na igreja de S. Miguel do Castelo reza o Cabido certas orações, e quando sai da Colegiada leva o juiz de fora um pendão de cor vermelha, e nele um painel com a imagem de Santo Anjo, e chegando ao distrito da vila de Araduca para mostrar que aí se não estende a sua jurisdição, o entrega ao vereador mais velho.
Assim vemos ainda, no fim do sec. XVII, respeitados os restos dessa antiga povoação, que devia preceder muito a posterior fundação de Mumadona no século X".

                                                      A romanização 
                                       
A civilização romana deixou no território português grandes marcas a que se convencionou chamar romanização. De entre essses vestígios, destaca-se a rede viária romana que, apesar de ter atraído diversos estudiosos e investigadores, continua a ter mais dúvidas que certezas.
   Daí que os itinerários propostos sejam em grande medida, traçados conjeturais.
  O Povoamento do território do concelho de Guimarães e arredores, na época romana, está documentado pela arqueologia. Por exemplo, em Caldelas a testemunhar a utilização das termas romanas da vila das Taipas, encontra-se junto à igreja paroquial a "Ara de Trajano", três faces planas de um bloco granítico, com uma inscrição latina, datada do ano 104 a. C.. Foi classificada como monumento nacional em 1910. Em Vizela temos abundantes vestígios da civilização romana, com destaque para as termas. Ora, tais factos exigiam a presença de razoaveis vias de comunicação.
   Durante oito séculos, os romanos construiram uma complexa rede de estradas que foram, na Europa, as vias normais de comunicação terrestre, assegurando um acesso fácil, militar comercial, por todo o extenso império. A ação política, a pacificação e a ação civilizadora encontraram nessas estradas um instrumento precioso.
   As vias romanas atravessando, por vezes,, maciços montanhosos, umas eram empedradas ou lajeadas, outras em terra batida e cascalho, com valetas nas margens, eram sinalizadas por miliários, ou seja, colunas ou marcos de pedra, muitas vezes recordando o nome dos imperadores, sob cujo governo foram construídas e contiham indicações de distâncias em milhas (os miliários).
    Na Península Ibérica, as grandes vias transregionais ficaram bem apontadas num documento, composto na época de Caracala e revisto pelos finais do sec. III, intitulado "Itinerário de Antonino".
   Em Portugal, havia quatro estradas romanas de Mérida a Lisboa, uma de Lisboa a Braga (passando por Santarém, Coimbra e Porto) e quatro de Braga a Astorga, além de várias outras  que serviam outros centros populacionais importantes para época.
   Para além das estradas romanas, existem outras, construidas nos secs. XI/XII, contemporâneas das pontes românicas, chamadas estradas medievais. Na esteira de Veríssimo Serrão, pode-se dizer que foram as viagens de D. joão I, D. Manuel I e D. Sebastião que permitiram a criação de estradas designadas "estadas reais", seguindo trajetos que na maioria as sobrepunha às antigas estradas romanas ou medievais. 
    Ao longo das estradas do império romano, em intervalos estratégicamenta colocados, existiam as "mansiones" (mansões), ou seja, estações de repouso e descanso para os vajantes, funcionários civis e militares. Nesta mansões ou pousadas, podia o viajante adquirir víveres para si e para a sua comitiva e animais, ficando disponíveis para outra etapa da viagem. Existiam também as "mutationas", estações de muda de animais (montadas) e as "stationes", estações (postos que dispunham de garnição militar para garantir a segurança e controlo da rede viária em locais perigosos ou de passagem obrigatória.
         
                                            As estradas romanas e medievais  
                           
      Reativamente a Guimarães, sabe-se que a estrada medieval entre o Porto e Guimarães tem origem num traçado romano, que ligava a travessia do Douro, em Cale (Gaia), à via romana Braga - Mérida. Aqui em Guimarães, formaria um nó viário onde se localizava uma importante "Mansione" (Mansão), estação de apoio aos viandantes. Essa mansão estaria localizada no atual lugar da Pousada, na freguesia de Mesão Frio.
   Não esqueçamos que Guimarães estava situado entre duas termas, o que exigiriam, só por si, bons meios de comunicação. 
   Asim, de acordo com tal posição, a via romana Porto - Guimarães saía de Cale (Gaia), desenvolvia-se para nordeste em direção a Valongo e Alfena, onde cruzava o rio Leça, na ponte de S. Lázaro. Na rota entre o rio Leça e a ponte de Negrelos, sobre o rio Vizela, contornava a meia encosta pelo monte, pela face oeste e norte, e pelo maciço montanhoso do Monte Córdova, passando muito próximo do castro do Monte Padrão, rumando depois para S. Martinho do Campo, onde através da ponte de Negrelos, transpunha o rio Vizela, rumando para Guimarães, passando por Gondar, pela calçada da Veiga de Creixomil e entrando na vila, na Idade Média, por uma das suas Portas. Da ponte de Negrelos partiam outras vias romanas, rumando a outras direções.
 A via de Guimarães-Mérida, na Idade Média saía pelo Campo da Feira, rumando ou por Mesão Frio, Infantas, Sezedo  ou por Urgeses (fonte Santa), Pinheiro, Abação, Gêmeos, Calvos, Serzedo (ponte do Arco), Vila Fria, Pombeiro, Felgueiras, Freixo (Tongobriga), Marco de Canavezes - Merida.
   A Via romana Bracara Augusta -Vimaranes saía de Braga, rumava pela Falperra e depois seguia para S. Lourenço de Sande, S. Martinho de Sande. A travessia do rio Ave fazia-se pela ponte romana de Campelos, S. João de Ponte, Caneiros e entrava, na Idade Média, pela porta de Sta. Luzia.

   Nota:  
Incompreensivelmente, num painel informativo que se encontra junto da ponte românica da Pisca, em Creixomil. mandada colocar pelo então executivo vimaranense, não se faz uma única referência a via romana - medieval Cale- Guimarães, ao contrário do que acontece num outro painel informativo colocado pela Câmara de S.to Tirso, onde essa referência à estada Cale Guimarães existe. Só uma ignorância lamentável justifica tal omissão.
    
                            As pontes romanas e românicas em Guimarães

       As vias mais importantes exigiam a construção de pontes sólidas, a maioria das quais são perfeitas obras de engenharia, desafiando a fúria dos tempos. 
   Nos lugares secundários, muitas das pontes eram construidas em madeira (pons roboreus), pelo que, naturalmente, delas não existem vestígios. A travessia dos rios fazia-se também com barcas, processo que se manteve até aos sec. XIX/ XX
   As pontes romanas, construidas cerca de 900/1000 anos antes das pontes românicas eram todavia muito superiores na fruição, estética e rigor técnico.
    Muitas dessas pontes sofreram grandes danos e ruinas, tendo sido reconstruídas muito mais tarde, no secs. XIV /XVI e mesmo no sec. XVIII. Daí ser dificil encontrar uma ponte romana completa.
       As pontes romanas e românicas, confundidas pelo povo e até por alguns "historiadores" apresentam caraterísticas diferentes. Assim, as pontes romanas apresentam, como regra, o tabuleiro retilíneo (horizontal) e uma largura que permite o cruzamento de dois automóveis e os arcos, para escoamento das águas, são semicirculares. Além disso, se apresentarem pedras almofadas ou marcas  forfex (pequenas cavidades, feitas nos lados oposto do blocos de pedras, usados na construção da ponte, permitindo a entrada da forfex, ou seja uma tenaz da grua mecânica para levantamento e colocação desses blocos).
      Por sua vez, as pontes românicas, construidas no sec. XII-XIII, têm, como regra, o tabuleiro em forma curvilínea e com uma largura que não permite o cruzamento de dois automóveis, estando estruturadas para a passagem a pé e carros de tração animal, de acordo, aliás, com as necessidades da época. O pavimento do tabuleiro é constituído por lajes de granito e as guardas por pedras retangulares, interligadas por sistema de macheação (encaixes); os arcos são arredondados, mas não semicirculares como nas pontes romanas.
  Afigura-se-me que a classificação mais correta será considerar como ponte romana aquela constução que mantem o desenho original. Ponte romano-medieval quando existir uma reconstrução medieval sobre fundações romanas ou sem vestigios romanos, mas no alinhamento da rota romana.
   Aplicando estes exclarecimentos é de cocluir que no concelho de Guimarães existem duas pontes de origem romana, ou seja, a ponte de Negrelos, sobre o rio Vizela, ligando S. Martinho do Campo (Sto Tirso e Lordelo (Guimarães) e a ponte de Campelos.
  Como pontes românicas temos: a ponte de Roldes, em Caneiros,  a ponte da Pisca, em Creixomil, a ponte de Soeiro em Gondar e a ponte de Donim. A ponte do Arco, sobre o rio vizela, separando as freguesias de Serzedo (Guimarães) e Vila Fria (Felgueiras) é uma ponte românica, apresentando alguns sinais de romanidade, ou seja, blocos almofafados e marcas forfex, mas muito alterada em épocas posteriores. 
 A ponte de Serves, sobre o rio Ave, ligando Pedome (Famalicão) a Gondar (Guimarães), devido a restauro ficou muito adulterada, não permitindo um classificação segura.



Extrato retirado do livro do Autor: "Rede Viária Romana e Medieval do Concelho de Guimarães"
                                                                                           Narciso Machado

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